Tuesday, March 27, 2007

Fallout

This side up _


A certeza foi esculpida de forma muito perfeita e embrulhada em conveniência. Estão por definir os limites e objectivos e até mesmo a sua utilidade. Mas existe.

Os pormenores estão descritos no canto superior da página. Não são fornecidas instruções em outros idiomas. Pede-se ao utilizador que vinque a página para referência futura. Qualquer consideração é desproporcionada e deve ser apagada dos registos.

O selo empregue deve reforçar a clausura. Não está prevista a sua quebra, nem se prevê qualquer utilidade ao objecto em si que não o ocupamento de um espaço. A optimização é preferível mas não obrigatória.

A imagem desfez-se em fumo por manipulação incorrecta e incúria do operador. Após uma extensa análise considerou-se o operador incapaz de agir correctamente. Seguiu-se os trâmites legais de cessação de contrato, repercussões futuras serão incluídas no pacote de despedimento em justa proporção ao sucedido.

A sala foi insonorizada para maior conforto dos utentes. Para mais, o processo foi refinado para produção do maior efeito com o menor ruído possível.

A taxa de demolição é proporcional à apresentação do queixoso. Por ordem superior determinou-se que a não apresentação do sujeito será alvo de suspensão da execução, com todos os custos decorrentes a serem imputados ao mesmo, acrescidos de juros à taxa legal em vigor para crimes do género.

Qualquer queixa apresentada será devidamente ignorada por desconhecimento implícito do queixoso.


End of Transmission.

Estudo Científico

Hoje quando acordei pensei:

Vou arranjar um trabalho dignificante.
Vou ter oportunidades de formação com qualidade e a baixo custo.
Vou ter condições de vida condignas.

Depois tomei o pequeno almoço e dei conta que estou em Portugal.


Conclusão: falta de açúcar no sangue provoca alucinações perigosas.

Friday, March 23, 2007

O Reduto

As últimas linhas de defesa, as muralhas lá ao longe, abandonam-se com o passar dos dias.
No final o que te resta é este caminho que medeia entre a fronteira do teu reino e um lugar chamado centro.
As muralhas ao longe ainda chamam por ti, distantes, para que defendas longe do que é sagrado os limiares de todas as outras coisas mundanas que se abatem sobre elas como vagas sucessivas de inimigos.
As muralhas, lá ao longe, chamam por ti abandonadas, enquanto caminhas de costas voltadas para elas, chamando a cada passo que te afasta um nome de uma doença, ou de um descuido, ou de uma qualquer outra coisa que signifique uma outra ameia cair.
E no teu reino que súbditos dominas, que pedaço de chão poderás chamar de teu, excepto o salão em frente ao trono? Esperam por ti, cansados, no salão, por te quererem bem, como o teu ceptro e a tua coroa de louros, ou o espelho que nada te pode oferecer para além de ti.
E neste espaço já nada te pode derrotar, excepto o tempo, que encolhe estas paredes de cada vez que retrocedes, que te contempla sentado no teu trono quando o desocupas procurando melhor sorte.
Não tens conquistas que pendurar nas paredes, nem contos de lá fora ardem na tua lareira iluminando o teu reduto. Tens um caminho que conheces de cor entre as muralhas do limite e a retirada, e tens todo o tempo do mundo, para ver que no teu reduto, és rei de coisa alguma, parecendo-se com um rei do mundo inteiro.

Monday, March 19, 2007

KARMA POLICE-RADIOHEAD

Sunday, March 18, 2007

As novas ditaduras


Todos temos um papel a desempenhar nas relações com os outros.
O trágico é que parece que esse papel mais do que ir o encontro das nossas expectativas vai de encontro de uma imagem que queremos que os outros valorizem ou apreciem.
Porque desempenhamos um papel?
Simplesmente porque acabamos por construir uma imagem de nós mesmos, que pode ser fiel ou não a nós próprios, mas que procuramos preservar mesmo que as circunstâncias variem.
Por exemplo, construí uma imagem de um gajo que escreve umas cenas literatas, e como tal o que escrevi até aqui foi uma representação desse papel. Consegui em quatro parágrafos definir um problema tão vago que tanto pode explicar a guerra no Iraque como o dilema da compra de um Cd.
Mas não é isso que pretendo, por isso permitam-me que saia um bocadinho do meu papel para ser um pouco mais terra-a-terra.
A nova forma de ditadura surge assim, de uma imagem tão colada a um papel que acaba por definir a nossa relação com os outros e com o mundo.
Será então de bom gosto apreciar uma música pela sua complexidade, ou um livro pelo seu volume ou autor, ou até uma determinada preferência por feijoada ou caviar. Tudo que não encaixe nessa apreciação é depreciado por não se enquadrar com a imagem que pretendemos criar de nós próprios.
Por exemplo, não surpreenderia ninguém que dado o meu historial aparecesse aqui a falar mal do Toy, dos programas e novelas da TVI ou até dos rojões do redanho porque encaixa no papel que todos esperariam que representasse, aliás até seria apreciado por isso, no entanto não o faço. Já se perguntaram porquê?
Provavelmente a vossa primeira resposta seria que um gajo como eu não se interressa por coisas tão mundanas, e estariam errados.
Não o faço porque não me sinto refém do meu papel e porque este tenta ser reprodução fiel do que eu sou. O que por outras palavras quer dizer que se existem coisas diferentes elas não têm de ser, obrigatoriamente, piores ou melhores, são simplesmente diferentes.
Qualquer produção humana partilha valores e\ou sentimentos que são comuns a todos nós, e que todos nós procuramos. Há quem procure esses valores e sentimentos num sucesso do Tony Carreira, e encontre lá as palavras exactas para definir por exemplo o amor que sente, eu não os consegui encontrar lá, mas tenho a mesmíssima sensação quando escuto o Love Buzz dos Nirvana ou o Every You Every Me dos Placebo. Quem é que está certo? Ninguém!
O mesmo se passa em todos os aspectos da nossa vida. Todos procuramos os mesmos sentimentos ou os mesmos valores, porque somos todos humanos e todos os temos, apenas variando os sítios onde os encontramos. Por exemplo haverá escritor mais universal que o Hemingway? Talvez 70% de quem o lê consegue ver lá reflectido coisas que fazem todo o sentido, mas eu não sou capaz, por isso não me dou ao trabalho de ler. No entanto quando leio Sepúlveda encontro as mesmas noções de Justiça, Luta, Adversidade apesar de estarem escritas por outras palavras. Há no entanto pessoas que vão ler Hemingway por ser o tal escritor universal, e fazer excelentes críticas apenas por este ser um autor reputadíssimo mesmo que no essencial não consigam encontrar lá esse prazer da comunhão com o autor. Fazem-no porque até parece mal dizer que não gostou porque estão tão subvertidas ao papel de Intelectual, que falar contra seria um acto aberrante. Percebem a nova ditadura dos papéis?
Antes que me acusem de relativismo deixem-me sublinhar uma outra realidade. Há sentimentos e valores bons e maus, e como tal, há quem procure de acordo com essa escala produtos diferentes. Não haverá, espero eu, grandes dúvidas se eu aqui afirmar que a verdade, a justiça, o altruísmo são valores bons, enquanto a inveja, o voyeurismo e as perversões são valores maus.
Como humanos, estes valores coexistem mais ou menos pacificamente dentro de nós, mas procuramos encontrá-los nos outros com a ilusão de que não estamos sozinhos neste mundo e com o intuito de os estimular.
Não surpreende portanto a difusão na net de pornografia infantil porque existe gente com maus valores que a procure. Agora que, espero eu, estejam todos com o mesmo sentimento de repulsa que eu tenho neste momento por falar nesta realidade, vou reduzir um bocadinho o tamanho da afronta e falar num fenómeno mais massificado, mas ainda assim preocupante.
A recente catadupa de programas como o Big Brother, Quinta das Celebridades e o mais recente a Bela e o Mestre não parece, segundo esta perspectiva, uma crescente procura por produtos que invocam e fazem ressoar em nós valores e sentimentos com o voyeurismo, a perversão, a violência, a invasão da privacidade entre outros que são considerados unanimente como maus?
Preocupante não acham?
E já agora, por este blog fazer um ano neste mês, permitam-me dar a minha opinião sobre o que aqui se escreve:

O conteúdo deste blog é ficcional, o que não impede de se basear em impressões do meu dia a dia. Não existe uma linha temporal como habitualmente a concebemos entre posts porque a única medida de tempo aqui é pessoal, muitas vezes escrevo coisas que nunca se passaram, ou que se passaram hoje, ou que passaram há meses ou anos atrás ou à frente. E não me preocupam os grandes temas universais mas sim o seu limiar, aquela ténue linha que limita os grandes chavões como o amor ou a liberdade, geralmente escrevo sobre alienação, (des)esperança, (des)ilusões, luta, (in)constância, situações limite, representação, culpa e tolerância. E aquilo que eu peço, é que se apropriem de cada linha e cada palavra, que os incorporem como vossos desde que faça vibrar uma das vossas cordas de humanidade, quero lá saber se o que vocês sentem ou valorizam não tem nada a ver com o que escrevi, este espaço é em primeiro lugar meu e depois vosso. Se consegui algum dia fazer vibrar essa corda já dou por bem empregue por ser este um sítio público. E podem mandar-me à merda se foi esse o sentimento que vos provoquei. Como disse ainda há pouco estamos todos aqui à procura de um pedaço de humanidade que nos faça sentir um pouco menos sozinhos.


Texto inspirado num excelente Blog que leio frequentemente com grande prazer, que podem encontrar aqui... ou aí do lado direito.


E já agora tenho diversos amigos que ouvem Tony Carreira, vêem o Big Brother, nunca leram um livro na vida que não tivesse imagens e que não deixam de ser por isso grandes amigos e grandes pessoas!

Saturday, March 17, 2007

Acto II


Ajudas-me?
A cortar o que sinto em quadradinhos?
Vamos servi-lo em cima de tostas pequeninas, acompanhadas por um bom tinto ao fim da tarde. Um tinto com personalidade, com paladar intenso, onde se acentuem os taninos servido em copos de cristal. Vamos chamá-lo de realidade e dizer que é boa casta.
Ajudas-me?
A convencer que é um aperitivo maldoso que nos vai fazer enjoar o jantar, daqueles que nunca podiamos comer quando éramos putos porque as mães não nos deixavam, lembras-te há quanto tempo foi isso?
E já que aqui estamos, ao fim da tarde, sorrindo a ver o pôr-do-sol para além do horizonte, saboreando o vinho e as tostinhas, ajudas-me a espetar a minha consciência num palito para servir com uma azeitona?
Saborear o seu travo a sal, brincar com ela na nossa lingua, sentir a sua superfície lisa de encontro ao palato para depois trincar até chegar com os nossos dentes ao seu caroço duro, sentir o seu suco oleoso e perfumado escorrer pela nossa garganta...
Saber que este é só um instante...
Ajuda-me na cozinha? Estou a preparar um lanche de fim de tarde, daqueles que as nossas mães detestavam... Já abri a garrafa para respirar, tiras a faca dessa gaveta?
Vamos servir estes dias que passam em pedacinhos, enquanto esperamos que o último termine e sonhamos que o que há-de vir será muito melhor do que o que temos, sozinho eu não sou capaz...
Não sou capaz de o cortar aos quadradinhos, por mim eles são sempre grandes de mais e extravasam a tosta, dou mau uso à faca e ela corta pedaços incertos, a sério que lhes queria dar a aparência de quadrados, mas o mais que consigo é cortar a minha carne até ao osso...
E por favor, ajuda-me a servir aos pedacinhos, sozinho eu não sou capaz e o inteiro é demais...
É que sabes (mas não contes a ninguém) estou a ver que no prato que levamos lá para fora, ainda vou encontrar, em pedacinhos... uma boa parte de mim...

Friday, March 16, 2007

Acto I


Há por estes dias o estertor de um Inverno que parece querer-se prolongar nas noites, para se redimir em dias soalheiros que convidam a uma preguiça bem mediterrânea.
Sabe bem este começo de sol acanhado, que oferece calor sem demasia, condimentado por um vento ainda frio de norte que se apanha nos bons espaços.
Guardei para mim uns raios esta semana, numa estrada poeirenta entre dois penhascos, apertada por uma muralha de outrora. Estava-se bem ali, na indolência, convidava o meu bloco de notas a abrir-se e a caneta a correr célere. Eu próprio estava entre dois espaços. Entre o chão que me agarrava, e o céu que queria alcançar.
É curioso que se um me oferece as regras imutáveis das quais ninguém parece fugir, o outro me oferece uma liberdade extrema de espaço vazio. Vazio não, talvez solitário, pois o vento sentia-o eu em cada centímetro quadrado da minha pele. É talvez este último que queira alcançar cá dentro, pois se sei que o meu corpo se agarra às mesmas regras do chão que o sustenta, talvez ainda existam cá dentro as asas que me permitam voar.
E esperar-se-ia que o chão fosse dessa lonjura impossível de um princípio sem fim, mas mesmo este parece querer contradizer-se em elevações impossíveis ou em muros rectilíneos que ascendem até ao céu.
Calma e levanta os olhos, sente o céu e estende as asas.
Desdobram-se? Agora que a cada pena se liga um elo da corrente do inevitável, da indiferença, da falta de sorte ou da consequência?
Os Ícaros de outrora caíam ao chão por se aproximarem do sol, talvez os de hoje não se levantem por se aproximarem demasiado da terra.
E quando desdobram as asas descobrem que estão cobertas de areia, tão pesadas que nem a elas mesmo se levantam quanto menos um corpo. As suas pontas, outrora apontadas ao céu desafiantes, roçam em demasia o chão desenhando círculos centrados em mim.
O vento ascendente, apenas levanta poeira e tolda a visão, o ar continua a ser demais por preencher um espaço demasiado grande para caber em nós e nos desafiar a percorrê-lo e continua a ser de menos porque lhe falta a espessura para nele apoiar-mos as nossas asas e assim levantar voo.
E assim descubro, na orla de um penhasco encimado por um pedaço de chão a que chamam muralha, que a maior prisão é a falta dela. Cada linha da minha gaiola desenha-se com o azul do céu e acaba na terra como em qualquer horizonte. As minhas asas não se estendem por poeira, por elos e por repousarem humildes apontadas ao chão. O meu voo quebrou não por falta de céu mas por excesso de chão.
Porque quer se queira quer não, há sempre esse pedaço de terra em nós, que já não nos sustenta... mas sim enterra.

Saturday, March 10, 2007

Sócrates, és o Maior!!!


Estou garantido para a vida!

Eu que até fui moço para andar a xingar das medidas do governo, tenho de aproveitar a oportunidade para lhes tirar o chapéu!
Não é que o inginheiro e a sua troupe se lembraram de me garantir o futuro?! Eu já desconfiava que me queriam bem desde as várias milenas de euros que salutarmente depositaram na minha conta para eu não fazer um caralho, mas desta vez excederam-se... obrigado camaradas!
Isto a propósito dessa ideia fabulástica das avaliações de desempenho, ao que parece duas avaliações negativas em anos consecutivos dão direito a carta de despedimento, e o melhor é que não tem limite, o avaliador pode escolher 10, 20 ou mesmo 30 coleguinhas para por no olho da rua, que não há cá lérias. Diz que os sindicatos protestam, mas isso não me assusta, a casmurrice deste governo é garantia de que, uma vez lançada a ideia, não há cá paneleirices de volta atrás.
Isto assusta muita gente, mas a mim, deixa-me radiante!!! Afinal sou filho e afilhado de proeminentes funcionários públicos que vão avaliar vários funcionários menores, coisa que muito me apraz e passo a explicar porquê.
Mesmo antes desta brilhante ideia, já sentia aquele orgulho familiar por minha mãe aparecer frequentemente em casa com as mãos carregadas de produtos vários. Não é por nada, mas sentia aquele gostinho especial de no Natal se multiplicarem as ofertas de géneros vários, provenientes de pessoas que nunca vi na minha vida! Claro que tal prática poderia assumir contornos de corrupção, mas como sou um bom filho, os ofertantes sublinhavam que a oferta se destinava ao menino que tinha lá em casa mesmo que a oferta fosse uma garrafa de vinho do Porto e eu fosse menor de idade. Como não sou cá menino para engolir qualquer coisa sublinhei desde logo a preferência por este ou por aquele produto, como nunca fui muito à bola com doces, vi que sabiamente o esquema ofertório passava para coisas com mais substância como enchidos diversos, couves e rabas para o Natal, e no tempo deles, uns kilitos de tortulhos que faziam as minhas delicias. Para não parecer muito esquisito também não virava a cara às grades de frutas, quinquilharias e peças de ouro variadas. Afinal a cavalo dado não se olha o dente.
Mas esta panóplia carecia muitas vezes de constância, e o que era pior, carecia de feriados religiosos vários para se consubstanciar. Graças a deus que isto é um país de católicos! Mas não há fome que não dê em fartura, e ao que parece, por brilhante iniciativa deste governo, a minha Mãe e Padrinhos vão passar a avaliadores. Na senda da identidade Portuguesa, já previ que nada melhor que uma avaliação para se multiplicarem os gestos de boa vontade para com o avaliador! Aliás, como gajo previdente que sou, já tenho a lista preparada para os géneros que podem ter impacto positivo e aqueles que podem gerar surpresas desagradáveis.
Ah e tal, que a minha mãe já se preparava para o monopólio das ofertas. Não pode ser, lembrei insistentemente à minha mãe que os ofertantes sublinham claramente que a oferta é para o menino, e que só este pode com astúcia, colocar a cunha no lugar certo para elevar a nota avaliativa. Não há cá tangas, afinal sou filho único cioso do meu poderio. Que vá tirando a ideia dos presuntos, das couves e dos frangos caseiros que estes já têm dono!
E mais uma vez a minha Mãe contrapõe que ela também tem de ser avaliada e convém untar as mãos ao avaliador. Mau. Aí tive que ceder. Mas como sou também um homem pragmático lembrei logo ali que havia só um avaliador e muitos avaliados, por isso propus guardar uma quota das ofertas, prái uns 25% da ofertas recebidas para que ela compusesse o ramalhete ao seu avaliador. Não é que seja muito justo mas considerei que no geral até é um bom negócio, integrando esses 25% na rúbrica "despesas de representação".
E de qualquer modo, se antes das avaliações as ofertas eram significativas, muito mais serão agora com as avaliações. Sonhando alto, se antes eram presuntos, depois podem ser porcos, onde antes havia couves, agora podem também aparecer cenouras, cebolas e sacos de batatas, enfim sonhando alto se já ofereciam tortulhos, pode ser que apareçam também um míscarozitos para compor melhor o prato.
Tal cogitação inclusivamente permitiu o surgimento de um plano de acção, digamos que o primeiro avaliado que oferecer a arca frigorífica para as verduras e o talão de desconto do matadouro para as matanças de porcos e galinhas, tem um avaliação que lhe permitirá chegar a chefe digamos nos seguintes 5 anos. Os outros podem continuar a sonhar que o naco de vitela barrosã oferecida seja de tal quilate que me leve a ponderar sobrepor à cunha o macaco projectando-os para uma carreira de sucesso.
Mas acautelem-se, que se as couves tiverem bicho, está o caldo entornado! Irão tão depressa para os supranumerários que nem tempo terão de plantar a próxima colheita!
Sócrates, obrigado pá, com esta é que eu não contava, depois de me tirares as urgências ofereces-me tal contrapartida que já está tudo esquecido! És o meu inginheiro de eleição, conta com o meu voto!!!

Um abraço!

P.S. depois eu ligo a dizer se as chouriças eram boas, se forem envio uma ao teu cuidado para ti e para a tua esposa.

Thursday, March 08, 2007

Dia Internacional da Mulher

Depois de colocar o post anterior, apercebi-me que hoje é o Dia Internacional da Mulher.
A primeira reacção seria a de deixar um apontamento, mas acho que merece algo mais.

Marca-se um dia no calendário para celebrar qualquer coisa. Este para o dia da árvore, aquele para a paz, este outro para a fome. Curiosamente a selecção de dias de celebração é feita para despertar consciências em favor dos mais fracos. Mas que grupo de pessoas é este que merece distinção especial?
Será que este dia celebrará algum acontecimento especial, ou serve apenas para nos recordar de algo que há muito esquecemos?
Não sei.
Mas sei que não vou comemorar este dia.
Porque para celebrar a Mulher não o faço porque escolho um dia para o lembrar, mas sim porque me recordo a cada dia que passa.
Porque da maneira como o mundo vai, acredito que o seu melhor está aí nessa outra Metade que o homem cerceou.
Porque nessa força tranquila, nessa coragem, nessa luta que se faz todos os dias, o maior reconhecimento é tratá-la como Igual não apenas num dia.

E não lhe vou dar aplausos mas sim reconhecimento, não me limitarei a sorrir pelo que ganharam, mas sim pelo que falta ganhar, não me conformo com homenagens ou estátuas nem dias, mas sim com o respeito que Elas merecem.

E se alguma palavra me sair será para elogiar o sacrifício, a coragem, o espírito abnegado e a luta das Mulheres da minha vida a começar pela minha Mãe.
Se consentir alguma revolta será por todos os criminosos que subjugam os seus Iguais, que os maltratam, que lhes negam cuidados de saúde, trabalho, igualdade e oportunidades.
Se este dia existe que se lamente todas as vitimas da violência doméstica, da mutilação genital, do machismo das sociedades menores, das sevícias, dos véus e da menorização.

E ainda haverá muito por fazer, porque a cada instante em alguma parte do mundo a uma Mulher é negada a dignidade.

E reafirmo: acredito intensamente que o melhor do ser humano está aí, guardada nessa Metade, exista coragem não para dar um dia, mas para lhes dar o que Elas merecem!

El Hombre


Existe uma certa sedução na simplicidade.
Será talvez da bipolaridade do tempo do norte, do google earth ou talvez dos 50 anos da rtp, mas dá-me para pensar em tempos antigos.
Talvez me aperceba que estou velho por criticar a nova geração que aí vem, por me dar ao trabalho de adormecer o meu afilhado, por ter perdido as certezas absolutas e me apegar à sentimentalidade das coisas...
Mas talvez apenas esteja velho apenas por ser este o tempo do complicado.
Não têm saudade do tempo da simplicidade, da felicidade dos pontapés na bola, das cartas e bilhetinhos de amor passados nas aulas, das férias de 3 meses?
Estou simplesmente superpovoado!
O mundo desconstrói-se em ecrâs, as pessoas enervam-me, palavras como recessão e crise já não fazem parte da esfera do mundo da gente crescida mas entram-me pelos olhos dentro cada vez que saio à rua.
E a maior ilusão é que pensava que ser grande traria maior ordem a este mundo.
Mas parece que não, a verdade é que aquilo que se aprende durante anos se acumula como sucessivas camadas de pó sobre um vidro, e de cada vez que tentamos espreitar cá para fora, para o mundo real, cada vez mais essa visão é distorcida... mais que distorcida é decomposta nos seus elementos fundamentais que se adicionam, que se multiplicam...
Ou então as coisas já não são o que eram e os novos tempos trazem consigo outro conteúdo às formas de outrora.
Os anos 80 eram tão chungas, os anos 90 tão dourados, os anos 2000 são o quê?
A linearidade dos olhos da criança que há em mim ainda acredita talvez que o mundo é apenas este que lhe aparece à frente para prontamente ser desmentida pelos olhos do homem que trespassa as formas em busca da imagem das coisas. E se o primeiro oferece verdade, o segundo apenas oferece ilusão, já não posso portanto olhar directamente para o mundo mas sim para o seu reflexo impresso em mim.
É final da tarde e o sol entra a rodos, apetece-me aconchegar o peso dos dias nessa névoa dourada, acendo incenso de chá verde, uma vela e sento-me ao parapeito envolto em luz. Trago um cigarro comigo. No meio do fumo leitoso que me queima os pulmões arrisco olhar lá para fora. E já não é esta rua que vejo, nem as pessoas, mas sim um espelho.
Revejo-me em cada rosto que não é o meu, faço do negro do alcatrão que se destaca entre passeios as minhas artérias serpenteantes e dos seus carros glóbulos rubros, vejo o contorno dos prédios como o meu contínuo de pele, acariciada pelo sol e pelo ar que é sempre em excesso. No entanto, não é o ruido da cidade que escuto, mas sim uma melodia de jazz. As coisas deixaram de ser para além de mim, estão cá dentro, e olhar para esta rua, para esta cidade, para este mundo, é ver os sentimentos desconexos em mim apropriarem-se e tomarem conta da mais simples percepção.
Consumidor do real...
Tenho saudades das coisas simples.
Crescer é tão só, egotista.

Sunday, March 04, 2007

Daniel's Twist

Hoje foi um dia light, por isso inauguro aqui uma nova rúbrica.
Quem me conhece já sabe que adoro programas de culinária, eheh, este é o meu pequeno contributo, experimentem!




Um bom café.

1. Numa chávena coloquem café solúvel a gosto de uma boa marca, açúcar (quem gostar) e canela em pó (também a gosto, mas recomendo muito pouca).

2. Adicionem 2 ou 3 gotas de água (não usem água da torneira, por favor, abram uma garrafa) e mexam até uniformizar e ficar com uma cor castanha-clara.

3. Adicionem água (da torneira não!!!) e aqui está o segredo, não coloquem água a ferver, esse é o erro mais comum, se gostarem do café quente aqueçam a chávena, se colocarem água a ferver vão queimar o café realçando apenas o seu sabor amargo e não o sabor a café!

4. Mexam devagar para manter uma espuma cremosa.

5. Por cima coloquem uma espécie de chantilly. Nada de usar bisnagas, o que eu costumo fazer é bater as natas com umas gotas de limão e deixar repousar umas horas no frigorífico, podem acrescentar açúcar se preferirem.

6. Por cima coloquem uma pitada de canela em pó, e raspas de chocolate preto bem forte. Se as natas tiverem ficado com a consistência certa (esponjosas mas cremosas) aguentam esta cobertura sem abater nem se misturarem com o café.

Eu costumo beber isto com uma colher, eheh, como a cobertura às colheradas e quando falta um bocadito para terminar mexo o café para se misturar.
Com o ambiente certo é daqueles prazeres da vida...
Experimentem e contem como foi!

Saturday, March 03, 2007

Respect


Nos últimos dias uma sucessão de eventos tem-me levado a reflectir sobre as relações humanas.
Há algo que se perdeu ultimamente, e não me interessam falar aqui das causas, mas sim do resultado. Esse algo poderia chamar-lhe respeito se bem que o termo, da forma como é habitualmente utilizado, não é particularmente feliz.
Acredito que o ser humano se tornou um bem transacionável. Como qualquer bem que exista em abundância a sua utilização generaliza-se e define-se tendo em conta o utilizador.
Esta coisificação do ser humano é das maiores perversões dos tempos modernos. E como não é minha intenção fazer desta análise um prontuário asséptico de consulta rápida, resolvi partilhar um pouco do meu caminho particular.
Existem certas pessoas, no meu ambiente de todos os dias, que recorrem a mim como se de uma ferramenta se tratasse, destinado a atingir um propósito final, um propósito pessoal, mais ou menos dissimulado, mas que não deixa de ser o que é: um propósito.
Sou então, não eu, mas sim alguém que se dispõe para conforto, uso, ou ambição.
Recorda-me dos filmes de série B que passam por aí. Face à mais improvável tragédia (um tsunami ou um meteorito gigante) no pequeno grupo de heróis que salva o planeta costuma existir uma criança pequena mais o seu golden retriever com o ar mais fofo do mundo. Não sei se já repararam mas nos momentos de maior tensão emocional o pirralho costuma afagar o cão com mais vigor. Se já repararam deviam pensar que se o faz não é por se preocupar com o conforto do animal, mas sim porque projecta nele todo o seu medo, e afagá-lo é apenas um meio de subconscientemente confortar a sua angústia com algo físico.
Por vezes, sinto que o cão sou eu.
Como não se pode esperar que abane a cauda ou lamba o interlocutor, a dinâmica que utilizam comigo é um bocadíto mais subtil. Genericamente consiste em aplicar um estimulo cuja previsibilidade de resultado irá agradar a quem emite o estimulo. Isso acontece constantemente, por exemplo aquela amiga que me diz que as últimas experiências a tornaram uma pessoa mais interessante, esperando a inevitável pergunta de quais foram essas experiências.
Como não sou uma pessoa decente faço uma de duas coisas. Ou alinho na manipulação subconsciente, o que levanta a questão do domínio, ou seja, qual o resultado final da manipulação já que me parece que as pessoas já não fazem isto por terem uma agenda mas sim por gostarem de "fazer festas ao cão". Ou então, mais frequentemente, não alinho na manipulação e passo por doente mental.
A segunda opção resulta dos meus 23 anitos de alta rotação a viver intensamente o que me aparecia à frente. As pessoas ganham assim uma espécie de transaparência que fazem de mim uma espécie rara antisocial.
Rebobinando, falta o respeito. As relações mais importantes desses 23 anos não foram muitas mas resultaram desse respeito, da compreensão que existia outra pessoa do outro lado, com interesses e expectativas próprias que não podem ser manipuladas. Deste modo, só me compreendi a mim e aos outros nessas relações porque existia liberdade. Uma liberdade desprovida de julgamento, de coerção, repleta de altruísmo e de uma fronteira específica. Eu posso ver-te voar, posso adorar esse voo, mas na primeira vez que tocar nessas asas será o dia em que cairás no chão arrastando-me contigo. Liberto que estava da obrigação de agradar quer a mim, quer ao outro, provei esse doce sabor que é fazer algo porque se quer, não porque faz falta. Cada acção, cada movimento e palavra torna-se tão natural como respirar, não precisa de ser filtrado, reduzido ou manipulado é tão só entregar o melhor de mim porque quero fazê-lo a outra pessoa, sabendo que não vou ser julgado mas sim apreciado pelo que sou, pelo que dei.
Ter relações assim é extraordinariamente difícil. É preciso confiar, acreditar quase cegamente no outro. É preciso despersonalizar, se o outro faz algo diferente do que nós faríamos não significa que esteja errado simplesmente significa que é diferente. É preciso ser honesto na entrega, sem objectivo para além da entrega em si. É preciso ser intenso, dar tudo em cada momento, sem consequência ou arrependimento.
Das poucas relações que estabeleci assim muito poucas se quebraram. Quando se quebraram deixaram em mim marcas profundas de dor e culpa. Se falharam falharam por não cumprirem um desses objectivos. A mais recente falhou por não ser homem que chegue para ser intenso porque me sentia julgado, por não respeitar a liberdade, a individualidade do outro, por personalizar cada movimento e deste modo, inconscientemente, julgar.
Trato, como tal, um punhado de gente como amigos. Entre eles estão grandes pessoas, que me acompanham à anos, e por isso me sinto afortunado.
Com os outros, os conhecidos, jogo esse jogo de xadrez inconsciente de utilidade mútua. É extremamente perverso e errado, mas o estranho é que toda a gente joga assumindo ou não as regras. E não vou ser eu que vou responder se é melhor ser aquele que manipula, ou aquele que consciententemente é manipulado.
Como não há "respeito" ou seja, como quem manipula não compreende ou quer compreender que do outro lado existe um ser autónomo, o manipulado é apenas algo que se usa para conforto próprio. No melhor dos casos existirá a satisfação mútua em que o próprio manipulado, consciente do facto, se deixa conduzir por gostar do propósito final, quantos conhecimentos na disco terminam na cama deste modo?
Aliás, se extrapolarmos da nossa realidade humana e formos até à esfera profissional, a realidade é que esse tipo de relações se baseiam na base do desrespeito. A empresa manipula o funcionário porque dele quer obter um resultado liquido que nem sempre se traduz na caixa (daí a subtileza), o funcionário aceita ser manipulado porque o propósito final para ele se traduz num ordenado... percebem a perversidade das coisas?
Quando fui confrontado pela primeira vez com isto, ainda sem o saber definir, senti uma ligeira (nhé) sensação de desconforto, quase como uma espécie de desconforto moral. Alas, mesmo eu cresço e percebi que tinha duas opções: ou corria na roda e me davam o queijo ou preferia brincar com novelos de lã. Como sou um rato de esgoto mal mandado deram-me umas palmadinhas nas costas... Pelo menos sorri, o que deve ser uma das vantagens de crescer...

Uma última palavra para 2 amigos meus, dos quais me lembrei enquanto escrevia este post. Eles são, graças a um profundo conhecimento da natureza humana, o verdadeiro estudo de caso do que aqui foi escrito. Digamos que o xadrez com eles é jogado em quatro tabuleiros, em simultâneo e que o cão neste caso não sabe se lhe vão atirar com um osso ou espancálo apenas porque apareceu (literalmente)...

P.S. a todos os que conseguirem ler até aqui, desculpem que o post foi longo, apliquem o que aqui foi escrito às vossas relações... declino qualquer responsabilidade legal por surpresas desagradáveis.

Thursday, March 01, 2007

Transparências

Ela saíu à rua.
Seria perto da meia-noite, aquela hora maldita onde se mata o dia que passou com a ansiedade perversa por um novo dia.
Pouca gente se via àquela hora. Aquele era um bairro decente, daqueles onde a prostituição ocorre dentro de portas e os putos escondem as pedras e as mortalhas no estojo da escola. Um ou outro chefe de família passeava o jeco ao final do dia, com a mesma cara mortificada com que vai trabalhar no dia seguinte, as esposas esperam dentro de casa tricotando a pasmaceira da vida ao ritmo das novelas da noite. Se lhe der na cabeça ainda vai perguntar a uma dessas donas de casa, se sabe quem é a Lola...
Ela foi sempre assim, desgarrada. O alter ego de muitos dos que passam por aí como pessoas de bem. Chamar-se-ia de liberdade, se a própria mãe não lhe chamasse libertina.
Era meia noite, e pelo que via, os homens não se detinham a olhar para o seu peito enquanto ela avançava entretidos que estavam com o obrar dos cães. Mesmo quando ela passava por eles não intuía que eles a seguiam com o olhar para apreciar dissimulados aquele traseiro bem definido que lhes lembraria talvez a mulher em melhores dias.
Isso sim era estranho.
Continuou aquele caminho que conhecia dos dias. A noite tinha sempre aquela magia de retirar a sombra às coisas para elas parecerem apenas fachada. Na parte mais movimentada daquela cidade apareciam os costumados pedintes. Vencidos pela ineficácia dos dias acomodavam-se nas cabines dos multibancos que a sociedade de consumo preparou para eles por um rebate romântico de consciência. Mas nem estes, com a esperança animada de uma última tentativa diária, lhe lançavam o olhar como uma passadeira estendida até à mão onde deveria depositar os trocos que lhe sobrassem nos bolsos.
Entretanto vislumbrou ao longe um rapaz, e nem deus sabe das razões que levavam aquele tipo a perder-se naquela noite em particular. Não tinha cão, pela idade ainda devia ser estudante pelo que o dinheiro não abundaria para ir às putas, caminhava tão lentamente e desconexadamente que não parecia ter um destino em mente. De repenteu pareceu-lhe que de lá ao longe lhe tinha enviado um olhar escrutinador como que a avaliá-la dos pés à cabeça. Não aquele tipo de avaliação de probabilidades de a levar para a cama, à qual já estava habituada, mas sim um outro tipo ao qual ela não estava familiarizada. Um olhar daqueles que se faz quando nos apercebemos de movimento pelo canto do olho e quando vamos a olhar com olhos de ver nos apercebemos que, de facto, não existia nada a ver.
Pela primeira vez olhou para si. Apesar de bonita (quantos o haviam já afirmado?) saiu de casa como fazia na maior parte dos dias, sem qualquer preocupação com a roupa que lhe cobriria a nudez, ou com a maquilhagem e acessórios que haveriam de combinar com os seus bonitos olhos azuis, o seu cabelo cobre, ou a merda dos sapatos. Não a surpreendeu que um top verde sobressaísse entre um casaco negro, encimando umas calças de gangas coçadas que teria há pelo menos 5 anos. Seria talvez essa dissonância cromática que chamaria a atenção daquele rapaz ali ao longe.
Voltou a olhar em frente, o rapaz, ainda que mais próximo, parecia absorto a contar os paralelos do chão e não parecia estabelecer o mais leve contacto com ela. Pensou em desviar-se, mas que se foda, isso é o que ela fazia durante o dia, desviar-se das conveniências alheias para abrir espaço ao sucesso rápido dos outros, agora era noite, e a noite tem destas maravilhas e destas magias. Desta vez não se iria desviar.
Eram menos 5 os passos que a distanciavam dele.
E continuava convicta que não se iria desviar, que o iria obrigar a reparar nela, mais não fosse pelo menos através do choque.
E a distância continuava a diminuir.
Um passo apenas.
E o espaço onde ela esperaria encontrar alguém apenas encontrou vazio.
E então deu-se conta, que afinal, a maior magia da noite tinha feito dela... transparências.