Thursday, August 31, 2006

Sacré-coeur

Apetece-me divagar,

Sou um puto de 23 anos que se recusou a crescer por temer responsabilidades crescentes, que me aprisionam a factos, reais e sonhados, que me aprisionam a um chão do qual não sei descolar mas o qual não aceito por me prender, por ter leis que se aplicam e regras estáticas que a vontade não muda… sempre fui mau a seguir regras impostas por uma vontade qualquer, sempre me revoltei contra caminhos que traçavam para mim e me impunham seguir por ser esse o caminho de um bem, que mais do que reconhecido, é aceite sem ser questionado, quando obrigado sempre falhei nos caminhos, sempre me neguei a segui-los. Há portanto quem me ache irreverente, quando de facto eu me acho apenas um irresponsável que nunca soube aceitar o peso das consequências dos seus actos, da maneira como sempre afecto o que me rodeio com as minhas acções…
O mais puro egocentrismo é o que me move, a mais pura noção de que prefiro o meu caminho errado a percorrer um outro que eu não escolha mas no qual eu próprio acredite como sendo bom para mim.
A mais pura revolta por ser bom e conforme com coisas boas e altas, quando prefiro ser baixo, rastejar, ignorar, iludir, acusar…
A mais pura maldade quando nego as palavras conformes, a vontade de agradar e ser querido por alguém… por minha iniciativa nunca persegui o agrado de ninguém, apesar de secretamente implorar por uma palavra amiga, esse reconhecimento tácito, invisível de que gostam de mim. Quando o expressam, rio-me com desdém e provoco o interlocutor com expressões mais ou menos inconvenientes sobre a má pessoa que sou, quando de facto apenas quero que ele diga mais uma vez que viu qualquer coisa de bom em mim… quem me conhece já me ouviu mais do que uma vez dizer que faço com que a vida de quem me odeia seja extremamente difícil porque não há ninguém que fale pior de mim do que eu… haverá quem me acuse de ser pretensioso ao ponto de nem eu acreditar nas mentiras que conto acerca de mim, de ser egoísta por pensar neste mal que me assola e me torna na pior pessoa do mundo quase com prazer em o ser, a verdade é só uma, sei que sou mau, horrível, e a minha tentativa constante em melhorar não aceita sequer um reparo, negativo ou positivo, porque me revolto com os primeiros, porque não aceito os segundos, porque constantemente procuro hipocritamente uma aceitação passiva sem fazer nada por ela excepto ser como sou…
Quem me vai conhecendo nunca teve de mim uma palavra de agrado, uma dessas fórmulas mágicas que se utilizam para ser sociavelmente agradável, não o faço porque igualitariamente desconheço como se faz e não o pretendo fazer…
E em quatro parágrafos acuso-me com inteira razão em ser falso, hipócrita, egocêntrico, irresponsável e anti-social. Talvez me devesse importar, mas a verdade é que não o faço.
Retrocedendo. Recuso-me em crescer, porque recuso a responsabilidade dos meus actos, das minhas opções, sobretudo pela minha quase completa passividade, pelo meu medo de arriscar e errar, pela minha constante indiferença pelas diferentes maneiras de agradar a mim próprio e a alguém…
E percorri 23 anos com uma quase absurda conformidade com inevitabilidades e uma total felicidade pelos acasos que rechearam a minha existência. O curioso é que se acho que em 23 anos valeu a pena viver quase tudo o que vivi, isso se deve sobretudo a esses acasos que desequilibraram o barco, quase que o levaram a naufragar, mas constantemente me moveram em frente, a uma melhor ideia de mim.
E ao final de 23 anos, nunca me senti tão sozinho como agora, nem tão dependente de mais um acaso para vencer esta falta de confiança em mim mesmo. Não irá aparecer tão cedo, sei-o intimamente porque não me sinto preparado para tal, porque perdi demasiado de mim para intuir que alguma vez o possa merecer…
Por isso estou só mesmo quando estou acompanhado, porque guardo em mim alguma coisa de muito precioso e o resguardo do ruído do mundo, quantas vezes com tanto esforço que me esgota ao ponto de não conseguir pronunciar uma palavra, ao ponto de me ausentar de mim mesmo com este olhar vazio que por vezes me ocorre… porque o guardo, não sei. Será talvez um pedaço de mim que o mundo não há-de tocar, porque com instinto animal, ou quase maternal, eu o protejo, porque pertence ao reino dessas coisas ideias que apenas se pensam e se sabem perdidas se há algo do mundo exterior que as toque… é esse o sacré-coeur de mim mesmo, contra o ruído exterior, comigo como campo de batalha e muro protector, guardado para nada excepto para momentos perfeitos.
E no meio desta solidão e de outros momentos, como este de ontem que me marcou quase como um período perfeito de 24 horas, como uma volta sobre um eixo imaginário de um planeta que habita na terra mas pertence a outro universo, a outro tempo e lugar. E no meio desta solidão e um ataque que passa, porque tarde acordei, tarde para qualquer coisa mastigada à pressa a caminho de um duche frio, tarde para um nó de gravata mal feito e inclinado para a esquerda, tarde para acelerar demais e saber que aconteceu porque o ruído em mim era demasiado grande para poder aceitar qualquer ruído do exterior mesmo que fosse a música preferida do momento.
Ganho aos poucos esta batalha, sem nunca vencer, ao final de um período demasiado longo estive de novo comigo, tive de novo verdadeiras férias, verdadeiras experiências de vida, verdadeiros momentos de calma, tive de novo prendas sinceras e mensagens simpáticas, e soube nessa altura que uma das coisas pelas quais implorava há meses aconteceu, para grande prazer pessoal. A questão é, para esta coisa acontecer, qual foi o preço que se pagou?
Seguramente um preço excessivamente elevado, excessivamente penoso… chamei-lhe paz, pacificação numa batalha que durou demasiado tempo, a paz conseguiu-se de madrugada, em que o nevoeiro se levantava do rio e cobria tudo com a sua espessura leitosa, não se ouvia um som, excepto o som de um vento gelado cortado nas árvores, a luz desvanecia-se e a calma, a paz que eu chamo, a paz que eu queria, lembra essa planície deserta de vida, deserta de mim, onde persistem estandartes que ninguém segura, onde persistem lanças espetadas no chão, onde o aço temperado com sangue já arrefeceu, onde os escudos com terra não brilham, onde as armaduras se desfazem aos poucos, onde o sangue correu…
Achei essa paz, ou uma paz semelhante, mas nem sempre aquilo que se quer é aquilo de que se precisa, restam-me outras coisas a perseguir, mas o preço pago pelas coisas que tenho é penoso demais para sequer eu pensar em querer outras coisas.
Há palavras que agora se pronunciam no meio desse silêncio, no meio dessa paz, e que já não doem, e que já são sentidas, há cartazes nesta rua que já não me percorrem o corpo como um choque eléctrico, há bebidas que se tomam sem o sabor amargo das lembranças, há cicatrizes que não doem mas que persistem nesta pele.
Há palavras de verdade, e sentimentos que as acompanham.
Chamo-lhe paz, mas não me recordo de ter vencido.

Coimbra, 31/08/06

Saturday, August 19, 2006

Fantástico...















Para primeiro festival dificilmente podia ter corrido melhor!

Fantástico!

Perdoem-me se não me alongo muito mas aconteceram coisas a mais para estar aqui a escrever, basta apenas dizer: FANTÁSTICO!

Foi a minha prenda pelos 23 aninhos...

Saturday, August 12, 2006

The River.


And with the last turn you find...


É bom ser mimado, é bom colocar um sorriso na boca de alguém... há gestos que não se esperam mas como disse um amigo, até o diabo nem sempre é tão mau quanto o pintam.
É bom sentir o sol na minha cara e fechar os olhos sem ter nada que me espere excepto o vento, excepto um som que conheço bem, é bom descansar, e dizer piadas parvas, e beber chá de menta, e bacardi, e sonhar, e fumar mais um cigarro, e beber café pelo prazer que me dá e não para me manter acordado, e beber água das pedras com sabores, e vinho rosé a acompanhar uma excelente refeição, e acender uma vela porque me apetece, e um pauzinho de incenso.
Ah, e também é bom fazer mimos a um gato que não conhecemos e ele ronronar para nós, e miar languidamente.
E o Gerês é tão lindo quando temos tempo para ele, é bom passear até sentir os pulmões a arder e o peito a latejar apenas por uma paisagem bonita, é bom tomar banho e secar ao sol.
É bom conduzir devagar com um braço fora da janela a ondular ao vento em estradas pouco movimentadas, com um destino incerto, descobrindo caminhos à medida que os vou percorrendo.
É bom sentir o toque do metal na minha pele, saber que é merecido, saber que é por mérito próprio, é bom ser útil e dar aos outros o pouco que se tem.

Há quanto tempo não estava comigo...

"estica os braços, eu vou fazer-te sorrir..."

Sunday, August 06, 2006

Theater


Lembras-te de mim?
Quando descias a escadaria e cantavas, parecias tão diferente...
Seria talvez do cabelo apanhado, da roupa que te ficava bem mas que não te servia, dos óculos que usavas, ou do teu vozeirão projectado para fazer sucesso.
Estava alí, acho que na segunda fila e olhava para ti e acho que também aplaudi, não sei se sabias mas não sorria por ti, ou pelo teu espectáculo, para te ser sincero nunca gostei de musicais...
Andei perdido por um daqueles corredores que lembram outras épocas, estupidamente encontrei quem me lembrasse da pequenez dos meus dias, saudei a pessoa inclinando ligeiramente a cabeça para a frente afinal o meu trabalho também era de representação demonstrando os preceitos de quem louva alguém de quem não conhece os feitos... Faço vénias também, mas estas não ocorrem no final do espectáculo a agradecer um público que apreciou o meu sucesso em palco, fazem sim parte do espectáculo e são apenas mais uma forma de bien faire...
As minhas três pancadas devem ter sido os 300 km que me separaram de mim, as lágrimas por me achar só, e um nó de gravata apertado num fato escuro riscado. And up you go, à hora marcada num relógio partido, à espera de mudar de vida sem ter feito um ponto final stop na anterior (que se prolongou até Outubro aos repelões).
Acho que ninguém me desejou que partisse uma perna, excepto eu em sentido literal, afinal aquilo era a vida e não um teatro qualquer onde durante a minha hora em cena divagasse com máscaras acerca de sentidos mais ou menos filosóficos, mais ou menos irónicos, mais ou menos reais.
Houve uma vez, há muito tempo atrás, escrevi qualquer coisa sobre isto, inspirado por uma frase de Shakespeare, e uma história de vida engraçada... teria qualquer coisa a ver com as máscaras que usamos quando pretendemos agradar a alguém. Muitas vezes fazemos da vida um palco, ou melhor uma atracção, receosos da solidão interpretamos de acordo com aquilo que os outros querem ver em nós procurando aceitação em vez de verdade...
E então chega a altura em que chegados ao palco colocamos uma máscara e temos um figurino qualquer, que se altera conforme o público e as circunstâncias, chegada a nossa hora representamos um papel que não foi escrito por nós, mas sim por esse mesmo público, usamos essa máscara que nos querem à força obrigar a usar, apenas por um aplauso final, uma rosa lançada aos nossos pés, uma vénia de agradecimento, porque cumprimos as expectativas...
Há por vezes loucos que invadem o palco e atiram cadeiras ao público, rasgam os adereços e quebram as luzes, há aqueles que dizem: "que se extingam as máscaras, quero aceitar-te como és..."... loucos...
Nunca fui bom a representar, nunca tive um grande público e muito menos agradei à maioria, os aplausos geralmente saiem forçados e intercalados por bocejos, e provavelmente no final ninguém vai ao camarim enquanto tiro a maquilhagem, o bar funciona 24h e vende amendoins e coca cola a preços muito acessíveis...
Sou um bocado naif, como aqueles quadros engraçados, e acredito facilmente na bondade natural que rege o mundo e move as pessoas, acredito nas palavras fáceis que me dirigem, acredito no destino, nas flores e no por do sol... enfim sou frágil e hipócrita, não admira que não goste dos espelhos do labirinto, nem de aceitar as primeiras justificações, nem da verdade...
E também sou responsável, segundo a minha mãe até demais, mas tudo faz mais sentido assim.
Há pouca verdade no meu caminho, e muitas hesitações, muitos momentos de pausa e muita vontade de ser conforme, muitos testes e erros, muitos trilhos desenhados por vontade alheia e que conduzem a lugar algum...
E mesmo quando tento há no meu teatro muitos lugares vazios e poucos ou nenhuns aplausos, deve ser dia de semana algures, ou há uma promoção nas batatas fritas, os lugares são caros merda para o governo que não apoia as artes... mas quem tento enganar, a minha eloquência sai forçada, a minha voz desafinou e soa a cana rachada, o guarda roupa está gasto e o cenário podre, a luz é fraca (o que é positivo sempre fico melhor na penumbra) e o som é pobre.
Não, não tenho mesmo jeito para representar...
Lembro-me de como descias a escadaria e cantavas, por acaso não me viste alí na segunda fila? Era um dos que sorria e aplaudi... desces-te de novo a escadaria, mas não cantavas, falavas de coisas triviais e aproximavas-te de uma pessoa afastando-te da imagem que tinha de ti, estavas diferente, seria do cabelo apanhado, dos óculos de vidro ou de um guarda roupa antiquado?
Não, desta vez não me viste... mesmo estando à frente de ti, e não, desta vez não me viste sorrir...


Este post é dedicado à Cátia.