Wednesday, July 28, 2010

ascend to oblivion

Por vezes fazemos listas.

E anotamos nas margens de folhas de papel as pontuações que somamos em cada acto da nossa vida, e quando as seguramos entre nós, por entre o nevoeiro que sobe de duas chávenas de café, fazemos tudo por tudo para que o outro reveja a sua lista, rezamos para que tudo aquilo que ele escreveu tenha sido a lápis de carvão, e claro, que tenha à mão uma borracha, capaz de apagar e começar de novo os pontos que a vida nos dá.

Mesmo quando as anotações se fazem a tinta permanente, ficamos à espera, de mão dada, que alguém venha e nos desminta, rasurando os nossos próprios livros, para poder começar o dia seguinte numa nova página, completamente em branco, uma outra página onde seja possível escrever uma história nova.

Meu deus, quando nos olhamos de frente, e pensamos ser capazes de manter esse olhar para além da nossa culpa, existe sempre a possibilidade que a nossa vida não se faça de listas, mas de momentos como este.

E antes que nos vença o tédio, antes que te dedique canções cansadas de poetas tristes, antes que te convide para mais uma dança e te arraste pela pista numa alegria de fim de festa, antes que a letargia nos vença e façamos da rotina um conforto, diz-me que esse livro, como todos os outros, achou um lugar próprio na estante, e a contabilidade dos dias, dos nossos dias, prometerá que eu esteja sempre como número 1.

Esse é o destino comum. Esse é o destino que desconhecíamos na nossa inocência. O amor era aquilo, terminava num ponto final, ou numa exclamação, nunca numa ideia suspensa em três pontos, nunca numa promessa de continuidade para além de um lugar a partir do qual abandonaríamos grande parte do que fomos.
Talvez o amor não seja isso, nem seja nada do que imaginamos, talvez seja esse espectro falado na terceira pessoa, talvez seja essa ausência, ou essa constância, talvez seja aquilo que perdura para além do bocejo de uma noite comprida, talvez não seja a explosão ao fim da noite, mas simplesmente um amanhecer na praia que antecede mais um dia de trabalho.
Talvez não seja mesmo maior que a rotina, talvez precise de segurança, talvez não se queira livre mas sim fiel, talvez tenha a ver com mentiras, talvez tenha a ver com todas as coisas que desconheço.

Mas como eu poderia saber?

Não encontrava listas quando percorria o teu corpo com as minhas mãos, as tuas curvas não se faziam de letras nem a minha boca emitia palavras quando provava a tua pele
O meu mundo fazia-se de caos e não de estantes, quando te convidava a entrar agradecias que deixasse a rotina à porta e deixasse os dias de fora porque as noites eram só minhas.

Mas agora em todo o lado encontro listas, palavras atrofiadas pelo uso que sobem aos céus como balões na noite de são joão. tudo tem um preço ou uma ordem, tudo tem um número, incluindo nós, estamos entre prioridades, somos uma adenda, mesmo a ideia que temos do outro é um adereço, o que é feito da nossa liberdade?

De que me vale estar em quarto ou em primeiro? Na tua lista, no teu dia, ou na tua vida, se o que temos para fazer não é nada, se eu não puder ser livre para estar, se me tenho que entregar em porções divido em partes comestíveis, dividido mas nunca inteiro. Diz-me do que resulta uma soma entre partes, diz-me qual o sentido de sermos fracções?

O sucesso está em estar partido, o sucesso faz-se antes de dormir, já não há espaço para o sonho, já não há espaço para morrer jovem, já não há espaço para nós.

Há algo numa praia, num café, numa cama enquanto fazemos sexo, numa banheira tapada, numa casa deserta, há algo mas não somos nós, há algo que se chama conforto, mas não há nada que possamos fazer porque queremos, há algo que se agita mas logo adormece, há algo que perdura, e o que perdura é o tempo é a promessa do que há-de vir e que sempre vai falhar, há algo que vai desaparecer enquanto morremos para nunca mais voltar.

Há algo que se perde quando deixamos de nos debater e agradecemos. Agradecemos por estar alí, e sorrimos, marcamos cafés, fodemos, juramos fidelidade e traímos na traseira de um carro, juramos amor e nos desmentimos a um desconhecido na praia, digo eu que há algo que se perde ali, mas nem eu, nem tu poderemos ver o que resta.

Não tenho respostas, só tenho perguntas.
E listas anotadas a lápis como todos os outros, como todos os outros tenho um rótulo para cada um inclusivamente para mim.
Só não tenho estantes, seja porque o destino o não permitiu, seja porque no meu caos não há espaço para a ordem.
Só tenho liberdade para te dar, e a vontade de te deixar entrar sem te impedir que partas.
Só tenho mentiras, camada atrás de camada de ilusão, e no entanto, prometo verdade atrás de cada véu que atravesses.

E em mim só subsiste a raiva, entreposta por cada camada de hipocrisia sob a qual o mundo me enterrou.

Wednesday, July 21, 2010

3ª saída em roxo

Por tudo o que se passa...

Por tudo o que se passa podemos ter um vislumbre do futuro e descobrir que nele já não há espaço para a esperança, que tudo o que podemos obter desta vida são migalhas, desfortúnios, e certezas de que algo está para vir havendo em nós a confirmação secreta que nunca estaremos preparados para as receber.

Fazemos um balanço, sentados num carro a toda a velocidade tendo ao lado alguém que deixamos de conhecer. Nuns instantes breves, enquanto ultrapassamos um carro e curvamos à direita na direcção da saída que pretendemos tomar, fazemos uma lista, e esperamos que o balanço final entre o deve e o haver seja quanto baste para nos manter à tona, para nos deixar lutar um outro dia, ou pelo menos para nos dar coragem para desistir a tempo das lutas que tomamos como perdidas.

Aí desejamos (como poderíamos desejar outra coisa?) que sair enquanto ganhamos é a última vitória possível, ou pelo menos não é uma derrota, pelo menos não é um nó que damos à nossa vida.

De repente expressamos essa ideia, queremos sair entre loas, deixar saudade para trás, mas porque algo nos prende temos que ouvir essas palavras atingirem-nos como punhos fechados, enquanto mordemos a língua para não repetir o nosso desejo.

Anos mais tarde tropeço em ti, no canto de uma página de jornal, saíste como eu deveria ter saído, mas ainda assim são lágrimas as que me escapam e não o sorriso que se desenha por ti. Poderia elogiar-te a coragem, a integridade, a força, mas o que nos separa é tão grande como todas as coisas que separam o tudo do nada, o que nos separa, e o que nunca nos unirá, é o desejo que tenho de te dar vida, trocarmos o destino, ou trocar-mos as palavras.

Mas nunca, a um ser humano, se desejaria umas reticências para uma vida que deveria ter um ponto final.

Por isso e por outras tantas razões não trocaremos de destino, nem eu o desejo assim. Numa noite foste um fogo que brilhou e se extinguiu sem nunca desvanecer, não te farei acompanhar-me até de madrugada para de nós nada restar para além de cinza. Os destinos fazem-se à medida de quem os merece, hoje tropecei em ti, cheguei tarde e sem inveja, não me atrevo a escolher, não serei egoísta, digo-te apenas "tira de mim o que precisares" e saberás ou não voltar para quem te ama.

a TA

Thursday, July 15, 2010

27jchkc

Os meus jardins fazem-se de pequenas árvores laranja, plantadas nas noites que passo sem dormir, de vez em quando trazem-me orquídeas violeta e eu vejo-as definhar quando as afasto do sol.

Dizem "é qualquer coisa viva aí dentro"
não respondo, mas fico a pensar baixinho que são elas e não eu a velar por mim.

Já tenho velas aqui, falta-me a lâmina decente de uma tesoura para as colher.

A madeira não sei, mas faremos os pregos com estas árvores pequenas e laranja que despontam retorcidas entre as cinzas de outros dias.

Sunday, July 11, 2010

nas minhas veias não

"Deixa que os teus bons braços te larguem
Para que os teus bons sonhos te levem
Deixa que os teus bons dias te lavem
Sem perguntar para que serve"

Wednesday, July 07, 2010

6 minutos e quarenta segundos

think Stravinsky versus Victorian era clothing

ele rolava o maço de tabaco entre as suas mãos, rodopiando-o precariamente sobre uma pequena poça de cerveja que manchava a toalha onde o copo tinha pousado antes

a ele não lhe interessava estar ali, entre manequins de mamilos erectos e olhar vazio, que compunham, com meia dúzia de trapos, as lojas que rodeavam aquele claustro dos tempos modernos. antes faziam-no com árvores e fontes, hoje substituíam isso tudo por luzes fluorescentes e um piso com a mesma consistência do vinil e igual cor.

mas a ele já não lhe restava muito mais que os seus ataques de pânico destilados no fundo de um copo, a elevarem-se como ondas de encontro à mesa de mistura, era esse o som que escutava no fundo e se sobrepunha à batida eléctrica do sucesso mais recente, era como um bom clássico dos anos 70 que nunca nos cansamos de ouvir quando a nostalgia nos vem bater à porta de mansinho, e esse marulhar reconfortava-o com a mesma ternura com que reencontramos um velho conhecido a bater no nosso tímpano, ligando-se directamente às nossas cordas vocais até em nós não restar mais do que a vontade de acompanhar o ritmo.

de vez em quando a madeira estala sobre os seus pés, ele sente o estertor a percorrer o seu corpo filtrado pelo acolchoado e a espuma do sofá vermelho onde se encontra. ao seu lado, num estertor semelhante, um casal abraça-se e vai trocando juras de amor eterno por entre gritos já que o som ambiente não permite mais.

a ele só lhe apetece mais um copo, e um pedido especial que ainda há-de fazer ao dj 6 minutos e quarenta segundos antes de se ir embora.

mas antes desse pedido chegar ainda há que desfolhar lentamente, como uma margarida, as causas e os efeitos deste mundo e do outro que criaram o chamado destino e o guiaram ali.

as coisas começam muito cedo, numa explosão, eventualmente numa noite de sexo duro, daquele que acorda os vizinhos e os faz fantasiar sobre o que escutam. depois todos os eventos se encaminham para aquele desfecho, juntem-se umas quantas leis, ditadas ou proscritas, sonhadas no interior de insuspeitos gabinetes e anotadas nas margens por secretárias conscienciosas de mais para caírem num preconceito de género.
anotam-se pois as piadas no verso, e vai-se desfiando uma após a outra como contas do rosário. à medida que se contam os dias escavam-se fossos entre nós, e nada pode ser como antes... preenchem-se de água e fazem-se oceanos, no final fica sempre aquela imagem distinta, intrinsecamente perfeita mas que nos lembra apenas do sítio de onde viemos e não do sítio para onde queremos ir.

e é aí que eu entro, para estragar a frequência, perfilo-me como um desses manequins, que te olham vazios através das montras cobertas de pó, se o dia é nosso e à luz do sol parecemos vivos, nesta noite, ou em todas as outras, somos apenas estátuas de cera que te olham através de aquários e te vêem ir quando o bilhete acaba e tens de sair por aquela porta

se tivesse coragem ainda te pedia para ficar

e por entre convulsões de pânico imaginaria fazer-te feliz à velocidade do som

chega-me a mim, chega-te a mim, e deixa que os perfumes se entrelacem como se entrelaçam os sons naquela pista, hoje somos luzes de néon e vamos ter a sua consistência, vamos imaginar que nada nem ninguém nos controla e podemos divagar por toda a pista, detendo-nos apenas nas pessoas que escolhermos amar.

deixa que engane a morte e a conveniência, hoje a noite é jovem e ainda nem cheguei ao fim do copo para nele encontrar o meu destino, hoje somos nós e não os outros e portanto prometeremos, sendo fiéis, que gostaremos um do outro pelo menos até a noite acabar, faremos amor neste sofá vermelho de damasco e confiaremos nos manequins e no seu olhar frio para nos guardarem enquanto dormimos.

amanhã acordaremos sozinhos, e longe daqui, já só faltam 6 minutos e quarenta segundos para partir
a última canção é para ti...

lady of the flowers
they've been dead for hours
interflora
cause i adore ya...

Friday, July 02, 2010

Lithium

A mão dele deslizava sobre as fotos com o mesmo desvelo com que folheava o álbum que a sua amiga lhe emprestara de véspera.

Either side is sacred......

Nas imagens que se sucediam apareciam sorrisos e apontamentos de festas, como decorações primaveris sobre buganvílias num solstício de Verão.
Os dias sucediam-se e o que deles ficava era aquela película colorida que ponteava o percurso, desdobrando as margens e abraçando o rio, éramos jovens então, e como agora, sobravam-nos as razões para fazer o que fazíamos mesmo que o resultado entre o hoje e o ontem seja tão diferente.
Éramos peixes, na margem do rio. E sonhávamos deter a corrente num cotovelo do curso. Éramos tão jovens então.
Éramos tão jovens como cadernos de poesia apontados na margem, éramos tão jovens quanto os lápis de carvão que metíamos à boca e mordiscávamos nos intervalos das aulas. Fazíamos poesia, e discutíamos filmes à saída do shopping e quando nos cansávamos simplesmente recolhiamo-nos aos nossos quartos adjacentes para discutir rapazes em sussurros e sorrisos nervosos.

As tuas sardas faziam-te parecer mais velha, e por isso ficava ao centro.
Em todas as fotos te encontro aí.
E nós à tua volta, gravitando, no centro do nosso universo, ou de mil universos, um para cada gesto, ou um para cada instante, um para cada primavera e um para cada caso.

No Natal trocávamos prendas antes de recolher a casa. Tudo nos parecia perfeito e de certa forma imutável. As pessoas de quem gostávamos permaneciam ali, ou sobreviviam dentro de nós por os querermos tanto.

E os nossos dias não se faziam de esperança mas de vontade.

cut off...

"a sorte de qualquer homem, já que não pode escolher onde nasce, é decidir onde morre"
verso em foto J

She lost control

Prefiero que me mientas...


Hoje, pela última vez vou limpar o pó à minha arma e carrega-la com algo mais do que pólvora seca.
Hoje, pela última vez na minha vida, vou escovar o carregador e alinhar as balas com um beijo em cada ponta.
Hoje na última vez que vejo o sol a nascer, vou testar o percutor uma e outra vez.

E ao sair de casa, na parte de dentro do meu casaco, saberás que está lá o teu testamento e na minha mente a tua sentença de morte.

E à medida que me aproximo de ti, inexoravelmente, acelerando o automóvel por aquela estrada de asfalto, prepara-te para carpir sobre a tua mortalha com o mesmo desvelo com que vou fantasiando sobre o teu último olhar que deitarás, um misto de dor e incompreensão atravessando o cano da pistola que empunho contra ti.

Mas não saberias tu que os anos que dedicas-te à prostituição, os sorrisos com que acolchoavas a tua lassidão perante outros de menor valor, teriam um preço a pagar?

Hoje eu sou o anjo da morte, e distribuo justiça com a minha espada flamejante de 9mm.

E enquanto naqueles corredores sobrarem corridas e desmaios conscienciosos todos verão os meus passos vermelhos e o meu olhar tranquilo enquanto decido quem ficará aqui ou quem partirá para outra vida.

E os justos caminharão de volta, quando o ruído das televisões passar.
E todos os injustos apertarão as mãos quando o seu coração levantar com estrondo a pena, e tiverem que passar para o outro lado respondendo pelo que fizeram nesta vida.

E não fosse pelo tempo, pela eficácia e pela limpeza, preferiria (saberás isso quando me olhares...) cravar-te uma lâmina curva e cuidadosamente afiada no teu peito, torcendo devagar o punho para alargar as margens da ferida. E dizer-te enquanto cais que te odeio a cada batimento cardíaco, que cuspo na tua cara, na tua homosexualidade assumida, no teu arrastar de asa a crianças inocentes, na tua sabujice descarada, no teu sorriso falso e em todos os deuses que adoras ou intrujas, cuspo neles todos e para todos tenho reservado o mesmo destino que te aplico a ti.

Mas tu não sabias que a cada passo me arrancavas vontade, que a cada movimento me secavas a fonte?
Por acaso não sabias que me movimentava noutro plano e não tinha outra ambição para além de fazer aquilo para que estava destinado? E tu mudaste esse destino, juntamente com todos aqueles que vão morrer hoje, e eu não tinha outra alternativa senão sair na próxima estação...

E nela descobri o teu (e o meu) destino, sobre um banco de jardim, materializada numa peça metálica que há-de cuspir 9 balas, cada uma com o seu nome.

Substituíram em mim, o amor por ódio
Não reclamem portanto que estas mãos já não saibam curar, mas sim matar.