Monday, August 09, 2010

lounge act

Este é o fim da história

De repente ela tinha parado de respirar.
Tinha acordado à pouco. O calor fazia o seu sono intermitente, mas como não a queria acordar, tinha ficado por ali, deitado de costas a olhar o tecto branco que ficava por cima da sua cabeça.
O ritmo compassado da sua respiração ia agitando os lençóis fazendo correr o ar e tornando aquele Agosto um pouco mais confortável, mas não lhe chegava, por isso levantou-se e dirigiu-se à janela entreaberta segurando o isqueiro e um cigarro na sua mão direita.
Debruçou-se sobre a janela e acendeu o cigarro, do outro lado da rua só havia um pequeno prédio verde e antiquado sobranceiro a um muro branco onde um gato noctívago ia passeando, pé ante pé, à busca da sua presa. O ruído da pedra a moer o seu encosto fez com que o gato displicentemente parasse e se pusesse à escuta, não foi mais do que um segundo, depressa retomou a marcha saltando do muro para uma posição onde ele já não o conseguia ver.
Aquele cigarro sabia-lhe a tantos outros cigarros, a modorra vermelha uns poucos centímetros dos seus dedos, mas de certa forma, naquele quadro, havia qualquer coisa que se destacava, sem ele perceber o quê e tornava o momento inadequado, como se tivesse entrado numa festa e de repente todos os olhos se concentrassem nele por um momento por causa de uma pausa na banda de serviço.
Instintivamente soube que o que destoava esta mesmo atrás dele na cama onde tinha acabado de fazer amor. Depressa atirou o cigarro ainda acesso para a calçada num movimento contínuo do seu tronco que o colocava frente a frente com a pessoa que o tinha seduzido até ali. Ela tinha parado de respirar.
De um salto já estava à beira dela revendo mentalmente aquilo que tinha aprendido uns meses antes no curso de primeiros socorros. Não precisava de confirmar, a ligação que tinham estabelecido perdurava e dizia-lhe com tanta certeza como se fosse ele próprio a parar de respirar que a ela lhe estava a acontecer a mesma coisa.
Depressa uniu os seus lábios aos dela, e de um sopro insuflou-lhe aqueles pulmões. A resistência que sentiu depressa lhe disse que se tratava de algo sério, mas fez ouvidos moucos e continuou a soprar.
Insuflação atrás de insuflação mantinha-a agarrada à vida mesmo que a sua voz interior lhe repetisse que a vontade dela era partir.

Mas não, não poderia ser, ainda à pouco tinham partilhado banalidades à mesa de jantar por entre um tinto encorpado. Não, não podia ser, se ainda à pouco se beijavam. Não, não e não, não podia ser se ainda à pouco tinha penetrado o seu corpo quente e sentido na sua nuca a expiração luxuriosa de quem sente prazer.

Mas ainda assim ela fugia-lhe por entre os dedos, como aquele verão se despedia em chuvas invernais que amansavam as noites.

Ela fugia-lhe a cada expiração, a cada pressão ritmada que imprimia no seu peito nú, não, ela não iria voltar.

Restava-lhe comentar as opções enquanto recolhia a roupa que ambos tinham espalhado pelo quarto. Restava-lhe a esperança de um sonho enquanto apagava uma após outra as velas que ambos tinham acendido uns momentos antes. Restava-lhe a raiva enquanto calculava o seu próximo passo na penumbra do quarto,

Já não lhe doíam as despedidas. Elas eram tão certas como ambos estarem ali. Doíam-lhe as impossibilidades e as certezas, de que nada, a não ser memórias, poderiam sobreviver àquela noite.

Lounge act