Sunday, February 28, 2010

even in his youth

He was born, for your brew
I've got nothing left to prove
If i die, before i wake, hope i dont come back again

even in his youth.


Tenho uma fracção de segundo:

o meu olhar pode parecer colado a uma lua vermelha de fim de verão, mas na verdade é todo o meu corpo que se engasta e escorre pelas prateleiras de madeira de um armário que dantes apenas tinha plantas mas que agora conta com mais uma adição conta com o meu corpo escorrendo lentamente em direcção ao chão para se estender como um tapete sob os teus pés

não sou eu que estou aí, é antes uma ideia de mim que prevalece como farol de uma terra ao mesmo tempo prometida e proibida prometida porque outrora nalgum ponto da minha vida a vi habitar dentro de mim e proibida como todos os sonhos são proibidos por existirem fora de nós

não não me reconheço nas palavras nem nos caminhos nem nos acasos nem nas injustiças nem aquilo que torna mundano o chão que ambos pisamos de certo já não te trato pelo nome próprio mas por um apelido que eu escolhi para ti quando deixaste de caber no desenho a regra e esquadro que eu tinha preparado para mim

chamo-te por esse nome mas por não ser teu já não irás responder nem te irás voltar atrás para pelo menos ver quem te chama passas tão rápido como o teu motor te permite acelerando numa pequena subida e contornando a curva para te perder num caminho enquanto eu sigo por outro dizendo que é o acaso que me guia

e se te colo à pele tantas coisas que não são tuas vais perdoar a minha inexactidão como perdoarias um bocejo a alguém que está cheio de tédio

a pessoa que agora recrio tem tanto de ti como de mim mas selectivamente não precisando de ajuda para compor um cadáver ainda me detenho procurando provas irrefutáveis de que há qualquer coisa de vivo neste mundo para além desta legião de mortos vivos parasitários capazes de te sugar num instante para te cuspir no seguinte procurando a próxima vitima entre os muitos que se oferecem para tal

e dizia eu que se recrio corpos é por deformação de um talento que outrora esculpia mundos e partia gaiolas talvez por querer aquilo que está para além da liberdade acabei por fechar o ciclo e encontrar no príncipio de todas as coisas a caixa de pandora que nunca deveria ter aberto

como tal dizia eu já não me revolta o que o meu talento deformado produz ele é tão esquizo quanto o poderia ser eu se porventura achasse ou escolhesse outra porta que não aquela que o destino escolheu por mim

não me revolta que ele se detenha em pesquisas supérfulas e se prolongue uma e outra vez no mesmo ritual de auto punição e esquecimento de certa forma fui ficando indiferente às substâncias procurando nelas um prolongamento de mim como saberás presas à sua natureza terrena não vão desiludir porque como eu estão programadas para um efeito geral ou específico que é sempre e de todas as vezes aquele que procuramos

portanto se abordamos dois dos pontos importantes para a questão que nos atrai para 2 linhas paralelas capazes de se tocar no infinito a revolta e a substância não estranharás que na mesma linha sanguínea se ache o mesmo espaço seguro cada vez mais reduzido à sua esquadria de madeira e ferro mas que ainda assim me pode prometer num naipe de posições que nunca diferem muito da fetal o mesmo espaço seguro que antes encontrava um pouco pelo mundo inteiro

e poderia falar de pânico ou de como ele se atravessa nos corredores ou se esconde atrás das portas a diferença está em mim pois se eu antes ainda me atrevia a surpreendê-lo também e a persegui-lo pela casa fora rindo-me como uma criança com um brinquedo novo e sensitivo agora já não possuo a mesma coragem e sinto como o meu coração se acelera e a minha respiração se torna mais profunda quando ele me surpreende a uma esquina qualquer

e poderia dizer que seria por esse facto para evitar a surpresa que me restrinjo um pouco todos os dias na mente e na acção espreitando de vez em quando por cima do ombro para ver se mesmo assim ele me persegue mas saberias como isso é falso não é o pânico que me move ou que me paralisa sou eu próprio que pairando sobre mim tenho sempre um dedo apontado para o caminho sem nunca ter a vontade de usar a mesma mão que aponta para ajudar a que o meu pé se coloque à frente do outro e aprenda de novo a caminhar

se me movo já não é a esperança a guiar o meu passo nem a pessoa escondida que paira sobre mim não há futuro quando não existe o presente mas apenas uma sucessão de dias que vão alternando o clima em padrões cada vez mais comuns

vêm-me à cabeça nestes dias como não poderia deixar de ser certas palavras com as quais me tornei oráculo de mim mesmo é claro que na altura não o sabia nem o poderia saber e pensava que qual fórmula mágica aquela conjugação de palavras seria capaz de apanhar toda a realidade como uma pá apanha o lixo depois de varrido pela vassoura para a depositar num caixote que já tinha um tema escrito à muito tempo é de certa forma engraçado que elas se devolvam de volta à parede para se iluminarem como fogo ou néon e se acenderem repetidamente sobre mim como que para me lembrar que aquilo que eu destinava ou predizia sobre os outros recaiu inteiramente e com justiça sobre mim


não não estranho agora que as palavras se confirmem talvez o último acto da minha estrela foi morrer derramando a última luz sobre o futuro para que ele se abrisse claro para mim o erro estava em que na minha pouca maturidade não tinha porventura a clareza de espírito capaz de perceber que a mensagem apenas me tinha a mim como destinatário e não a ti

se entretive essa morte ou se procurei nos dias uma nova lente para os meus olhos cegos é coisa que não poderei responder pois já me falha a voz e não me preocupam as coisas nem os versos nem as putas que entretanto se entretinham a tecer um fio forte com que tecer todas as coisas

eu sou o mundo mas já não sou eu e repetidamente me assustaria se essa capacidade permanecesse em mim com o que descubro nesta prisão mas afinal porque é que procuro a culpa se sei que a vingança não há-de ser minha ou porque é que procuro as grades se sei que sou eu que as faço crescer de dentro para fora

e ainda assim é com a culpa que entretenho os meus dias se os tivesse

com isso e com outras coisas quaisquer tudo aquilo que faça com que as horas permaneçam mais curtas e se disfarcem de senhoras com quem tomo o chá e vou debatendo as mais recentes modas de Paris os mais recentes cochichos ou em suma uma descontracção de fim da tarde ocioso que desmaia como o sol sobre o horizonte para se apagar no mar e deixar atrás de si uma longa noite de são joão a saber a sardinha e manjerico e porque não a fogo de artificio derramado sobre o douro onde o meu corpo se debruça já não sei procurando o quê

quero liberdade sem a ter dentro de mim ou uma vontade qualquer que não seja esta quero que o tabaco seja como as pessoas de outrora e me saiba ao sabor da época ou àquilo que a minha língua desejava tocar não quero que me saiba ao vício vazio de agora como as pessoas transparentes que insistem em desfilar à minha frente a sua nudez disfarçada de virtude mostrando como um murro no estômago que a verdade está neste mundo e não no outro e que não há nada de melhor ou mais justo ou mais limpo a esperar daqui

e não me recrimines por querer voltar atrás a uma idade da inocência essa vontade como outras vai morrendo um pouco todos os dias quero que me citem a bíblia como no filme de série B que vi já vai uma data de tempo em que se dizia que se os teus olhos te insultam se os teus olhos pecam porque não os cegas para poder ver o mundo do outro mundo e enquanto corro à procura do primeiro pau incandescente com que possa espetar esta substância gelatinosa que me permite ver o que há e não ver o que eu desejaria que fosse deixa-te estar num caminho que vai para outro lado que não para o lado onde for porque não te quero aqui comigo e se pudesse escolher escolheria que eu próprio deveria estar proibido de me acompanhar porque não quero ser nem estar onde estou sem ter a vontade de estar noutro sítio qualquer e faltando-me a coragem para definir como raiva a minha vontade de viver e fazer por isso

pois se a lição mais importante que poderia ter aprendido contigo seria essa mesma a de aprender a viver com raiva aprender que a primeira prova que se exige em tribunal é precisamente essa a de provar em primeiro lugar a nós mesmos para poder enfrentar o mundo sacrificando feitos no nosso próprio altar como quem sacrifica cordeiros na Páscoa esqueci-me de a aprender contigo e persisto se esse não fosse um erro fundamental na minha própria catequese de medo fama e punição palavras suaves que usamos como quem usa rótulos de papel para colocar em pequenos frascos recheados com o doce feito com a fruta da época para dizer que tudo é feito pelo orgulho, ou falta dele, e o único açúcar que o une é a vaidade.

Monday, February 22, 2010

the movie on your eyelids

Tuesday, February 16, 2010

Cover Sleeve

"No Tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer."

Álvaro de Campos


Os aniversários comemoravam-se há muito tempo assim, sentado na poltrona do escritório, acendendo a lareira com a madeira que sobrava depois de ter partido uma das últimas cadeiras pesadas que restavam da velha e escura mobília que compunha a sala de jantar da igualmente velha casa senhorial sobrante de um passado distinto, onde nada mais restava do que apenas uma fotografia a sépia com mais de 100 anos, onde um respeitável senhor, de bigode retorcido e postura altiva, compunha uma figura antológica como que para amedrontar as gerações vindouras, incutindo-lhes uma noção de responsabilidade que ia muito para além do apelido com que os dotara no berço.

Acendia um charuto nessa lareira, depois de lhe cortar a ponta com uma faca de abrir cartas feita em prata. Inspirava lenta e repetidamente o fumo, expirando-o depois em fiapos leitosos que iam primeiro rápido, depois lentamente, em direcção à lareira, onde pairavam e se iam enrolando e misturando com o fumo que a lenha exalava para partirem pela chaminé em direcção a um céu já negro pela noite que caía.

Mais um aniversário, e como nos anteriores, depois do charuto fumado e esmagado de encontro a um pesado cinzeiro castanho, mergulharia nas chamas e nas brasas que ainda restassem procurando um renascimento pelo fogo, ou um renascimento qualquer, um renascimento possível, mais possível do que aquele que o tempo eternamente prometia sem concretizar.

E como nos anos anteriores, sentiria como em primeiro lugar o fogo o livraria da roupa com que se escondia do frio e do mundo, envolvendo maternalmente o seu corpo nu, enquanto ele se enrolava na posição fetal com que tinha passado aqueles 9 meses longe da consciência e entregue ao universo, em sintonia com as poucas cordas da harpa que ao tocadas, inventavam todo o futuro, passado e presente quer da matéria física quer da metafísica.

Em segundo lugar, seria a pele que se transformaria em cinza e se depositaria no fundo da lareira, sem se distinguir em nenhum ponto da outra cinza que a madeira de carvalho encerada tinha deixado momentos antes no mesmo lugar.

E por último, seria todo o seu corpo a desaparecer por entre as chamas que ajudava a criar... sonhava e aproximava-se cada vez mais desse objectivo... mas como em qualquer aniversário, chegava sempre o tempo em que a aniversariante chegava para soprar sobre a chama que se erguia das velas formulando um desejo. Depois da chama apagada, a convidada ia desenhar um sorriso brilhante, comemorando mais um ano, arrancando as velas do bolo, cortando-o para depois o servir com uma taça de champanhe aos seus amigos.

E aquele aniversário sem excepção, confirmaria que à última da hora, quando o corpo em chamas abandonaria por um momento a inevitabilidade dos aniversários para pensar que seria naquele ano que por fim a chama iria chegar ao fim e reduzir o tempo a cinzas, a convidada chegaria, e soprando levemente sobre ele, apagaria a chama e com ela a última vontade da matéria em se transformar em cinza, deixando sobre a lareira apenas e só, um corpo humano terrivelmente queimado.

Where is my mind?