Friday, August 31, 2007

Quais são as memórias que tenho de ti?
Antes dos caminhos divergirem como sempre divergem, quando na mesma cidade nunca tivemos mais do que um encontro ocasional, quando escolheste a tua vida formatada, regrada e produtiva e eu escolhi desfazer-me aos bocadinhos lançado para os lados do caminho.
Existirão memórias?
Ou aquele sentimento venenoso de inveja, por seres sempre o preferido das familias, com o teu sorriso branco impecável, a tua moral do trabalho e o teu percurso sem espinhas.
Ou aquele sentimento perverso de submissão, por eu ser o contrário, ou uma cópia falsa de um original.
Eu não tenho sequer uma memória de ti.
Mas tenho-te na minha pele, uma cicatriz, que me vai lembrar sempre de ti até ao fim dos dias.
E agora que parece que queres encurtar os teus...
Faz-me uma outra cicatriz para provar que estás aqui...

Porque eu sou parvo e nunca te disse... mas quando fiquei sem veneno e cresci para ser criança outra vez... eu tenho tanto orgulho em ti...
Ainda te vou dizer isso outra vez não vou?

Subtitles in a never wining situation

Look, this is my way,
Lost in words and years
Of decaying,
Look, this is the prize
We’re paying,
For always wanting to be better
No space for humanity,
Personal vanity thrives
Among small people
And we are all the same,
The price is paid before
The sells
And all we’ve got
Is this useless gold,
In a desert island of ours
Lost
Is a meaningless word,
In a sin
The only thing that counts
Is the price to pay
Seven years of bad luck
is a small price to pay
For a broken soul

Porto, 31/01/2006


Thursday, August 23, 2007

Jesus

O pôr-do-sol, em tons rosados, convidava a espraiar a mente pelo beiral de cimento.
Era como se o dia se despedisse de nós assomando-se ao parapeito, brilhando discretamente prometendo voltar amanhã.
Ao lado esquerdo da porta, de cabeça ao lado como sempre, estava J acompanhado pela sua mulher, esperando pacientemente pela sua 7ª hora.
Os seus olhos são azuis, como sempre, azuis como as suas queixas encobertas, azuis como a sua prédica constante por um Jesus que produz a piada fácil e costumeira. E ao seu lado, como se lá estivesse desde sempre, a mulher persiste em limpar um fio de baba que constantemente lhe escorre pelo lado direito da cara.
Sobra o seu comentário estóico, que apenas a mim consegue arrancar um sorriso, e as suas mãos queimadas pelo couro dos sapatos. E aguenta os processos com que lhe arrancam qualquer coisa mais para conforto da consciência do que de seu real valor.
Hoje peguei-lhe nas pernas e levei-o pelo ar até ao limite do seu mundo.
Jesus não apareceu, acho que foi de férias.
Digam-lhe, quando voltar, que o J estava cansado e apenas queria voltar para o conforto daquilo que conhece. Não precisava de escutar as queixas de quem trabalha demais por coisas a menos. Não precisava de escutar argumentos, ele não pediu este sol.
Já lhe bastaram todos aqueles que inclementes lhe queimaram a pele até a deixarem tisnada e a saber a pão com o qual matava a fome aos filhos.
O que me dirias se falasses, se o tempo me sobrasse, se te levasse a tomar café a um local da tua escolha e te ajudasse a pegar nas cartas para uma suecada com os teus melhores amigos.
Por acaso não te saberia melhor?

Não me venham portanto dizer que sou bom, mendigar as minhas mãos esperando uma cura, não me elogiem por tão pouco, vocês não fiquem aí...
Acendam o cigarro e consolem-se com os 20% que restam.
Se a vida se esvai no 1% ao dia, não o passem aqui.
Eu faço-vos a todos companhia, enquanto a vontade for maior que o meu corpo...

Wednesday, August 15, 2007

A Fuga


Deram-me um registo persistente, tudo o que eu quero são os meus momentos de fuga.
Insistente, como a minha ideia de escudo, a minha transformação numa ideia, a minha pele como penúltima fronteira, no fundo tudo o que eu sou empurrado para canto, num espaço indefínido, mas bem longe daqui.
E toda a gente insiste no meu stress, na minha correria diária... Haverá stress na paixão?
É tão só o meu corpo discinético, que se move num espaço conhecido, mesmo assim desconfortável, mesmo assim querendo mais, querendo arriscar um pouco em cada gesto, romper com a rotina uniforme.
Se me importo?
Mas é claro que me importo, não o faria por menos, se em tudo o que faço coloco grande parte de mim.
A discinésia está no espaço que não controlo, entre aquilo que eu quero, e aquilo que as regras (malditas regras) me dizem para fazer.
E elas dizem-me que o meu corpo tem limites definidos, que precisa de um descanso, que se queixa da sua dor, que quer relaxar quando a vontade lhe pede que contraia, que quer uma fuga para não queimar.
E eu ofereço-lhe a espaços um túnel de vento.
Sozinho, como eu gosto de lá estar, quase despido, sentindo o vento em todo o meu corpo, fechando os olhos, traçando um, disfrutando a sombra, querendo calar as vozes que se ouvem no fundo, mergulhar noutro espaço. Eu quero sair. Eu preciso.
Preciso desse instante esquecido, dessa minha suspensão no espaço, eu quero sair.
Quero matar as ideias e a lógica subjacente, não quero ter coragem, não preciso de bravura, não me incomodam os julgamentos, as amizades, os preceitos, as conversas do dia a dia, os relatos, as paixões comezinhas, os almoços, o stress, as praias e o tabaco. Eu só quero sair.
Quero o meu túnel de vento para me conhecer por dentro e por fora.
Quando me dão um registo, em que eu insisto, em que eu persisto, no qual me desgasto, ofereçam-me também um túnel de vento, e uma pausa de 5 minutos para poder respirar.
Em todo o resto do tempo, sou apneico, e o meu coração pára por alí, sou uma ideia que preenche um corpo e empurra o que sou para bem longe dali.
E quando me canso, digo um até já à rotina e transcendo.
Sinto a cabeça a cair.
E dou as boas vindas ao meu mundo, que não estranha a minha ausência, ao meu espaço onde não existem fórmulas porque o tempo parou. E se colho uma flor, ou me deito indolente sobre uma árvore frondosa, sou eu que escolho o momento.
Ultimamente chove muitas vezes, e eu resguardo-me da invernia, no meu jardim de Inverno, sabe-me bem aquele calor húmido da estufa, e o som da chuva a cair no resguardo... tenho uma chaise longue amarela-torrada e um chávena de chá a aquecer, tenho uma manta escocesa, e tabaco de enrolar com 2 mortalhas e um filtro.
À minha frente coloquei uma tela branca e fico a vê-la iluminar-se a espaços com a minha própria imaginação.
Debaixo dos meus pés, como um cão indolente que repousa, fica toda a minha existência.
E quando desconfia, levanta a cabeça e fica atento ao ar que passa, e se ele lhe sabe a derrota.

Estou no limíte das minhas forças e a balança tarda em parar.
Para que lado pende, não se decide, de que lado fica a vontade, já eu decidi à muito.
E ofereço a mim mesmo uma linha de fuga.
No meu meio dia ocupado, no registo enquadrado, todo o espaço fora da caixa é a melhor parte do dia e uma promessa de redenção.

Hoje descanso as mãos sobre um livro e fico a ouvir os acordes a embalar a minha própria preguiça, está a chover lá fora e eu não quero pensar...
Pensar é uma doença da alma, sendo a cura sonhar...
Tremo, e escondo a cara entre os braços, e fico sentado no parapeito sem saber se o que existe lá fora é real ou não...
É a fuga...
Exactamente como estou a precisar.

Thursday, August 09, 2007

Expansível

Saio à rua à noitinha, hoje tenho o céu por minha conta.
De repente a minha alma cresce para fora de mim, tanto que estas quatro paredes não bastam, tanto que a sinto escapar por uma janela aberta perante a tranquilidade da noite...
Hoje uma parede em branco não é suficiente, hoje escolho uma tela em negro ponteada de luz.
Parece tão alta, tão longe daqui, tão ofuscada pela luz amarelada da grande cidade, e no entanto, parece que lhe posso tocar se me der ao trabalho de levantar um dedo.
Não o faço, hoje não quero tocar no céu, quero vivê-lo.
Quero que todo este manto negro seja iluminado por mim, quero ser o director dos meus sonhos.
Já não me chega uma parede em branco, not anymore.
Hoje o corpo pede-me descanso, e insiste em dormir. O corpo queixa-se do esforço dispendido e ameaça doer.
- Tem paciência, diz ele, só tens este barco que te vai levar a lugar algum, quando embarcaste foste dos poucos que comprou bilhete inteiro e pagaste o extra para viajares na coberta. Querias ver o mar, o céu e o horizonte, não te chegava o beliche apertado contra a parede do porão, tu querias mais, querias o sal a bater-te na cara quando as pernas se queixam de estares demasiado tempo em cima delas.
Tenho paciência, mas não obedeço, contrario as minhas pálpebras que se querem fechar e abro bem os olhos, os sentidos, hoje eu quero viver.
Hoje custa-me a adormecer os sentidos, para acordar algum tempo depois e pensar que já se foram 6 horas de vida.
-Tens os sonhos.-Insiste.
Pois sim, tenho os meus sonhos nocturnos que se vão esbatendo com os primeiros raios de sol.
E tenho os meus sonhos diurnos, que vou pintando devagarinho a pincel, com uma tinta mágica que não imprime nada mas que desenha os contornos de um mundo que abarca grande parte de mim.
Hoje saí à rua, e era de noite.
E está calor lá fora e eu não o sinto.
Há quem olhe ostensivamente para o meu sorriso e se pergunte, será este homem normal?
Não, não o sou. Eu sou doente. Padeço de vários males e todos eles são complexos.
Como uma ligação directa entre mundos.
Tanto que o medo vem e vai, como ondas que se desfazem na praia e nunca ficam.
Tanto que me pergunto se o que existe cá dentro, e que continuamente tenta rasgar caminho até cá fora, encontra por certo um mundo onde possa existir.
E não se pergunta se a atmosfera é correcta, ou se o solo é estável ou lhe permite voar, não o assusta a gravidade, muito menos a resistência do ar.
Ele não se pergunta.
E o instinto prevalece de mão dada com os sentidos.
Tem todas as ferramentas que precisa para entender.
E não o faz.
Inclina-se para a frente e rasga caminho.
E eu ofereci-lhe um céu para voar, e uma tela negra para imaginar.
Esta noite.
Não dorme.
É livre.

Monday, August 06, 2007

7AM-12PM


O dia era, já de si, perturbador.
Ideias ou sonhos infiltrados no meu caminho pela manhã, como fotografias afixadas aos postes, prontas a lembrar-me de um espectáculo ao qual seguramente faltaria.
Não era fácil arrancar-me ao meu sono, muito menos quando o meu Kicker tardava em aparecer para abrir as hostilidades.
Hoje nem com um café lá íria.
Para ajudar, os esquemas confusos de sempre, uma coisa que não se espera, ou uma novidade indigesta servida como sobremesa.
Podiam ter-me poupado a isso.
Mas não.
Começo contrariado, e mais umas vez as imagens, infiltradas em mim. Não estava puro, não tinha deixado de fora todas as ideias e sentimentos, por uma vez ao tirar a roupa não me despi de mim mesmo para abraçar uma ideia, talvez por pensar que o que guardava no cacifo era importante demais para me contentar em espreitar a espaços.
Não aquela ideia, não aquela imagem.
Arranco a espaços, sem nunca apanhar o ritmo. Como sempre agitam-se ao meu redor e eu tomo o meu tempo, processo devagar como que a dar à minha pele uma consistência que não sinto cá dentro. A todo o momento penso que irá ceder sob qualquer peso.
Subo lentamente, carregando um peso. Como um lastro que venço em guinadas heróicas de consciência.
Entro num quarto. Estava destinada para mim mas é como se a visse pela primeira vez. Estava a chorar, segurou a minha mão com a mão que lhe restava e na impossíbilidade da palavra verbal contou-me uma história bonita enquanto afagava insistentemente o látex sobre a minha mão. Tirei a luva porque não saberia fazer outra coisa.
Por um momento, como de manhã, esqueci tudo o que sabia de monitores, de regras e condutas, para me concentrar numa imagem colada a um poste de iluminação.
E no meio de tantas impossibilidades castradas pelas certezas, restam-me os limites da minha imaginação.
Como um puto pobre sonha com doces numa noite de natal quando nem sequer sabe se terá pão para a próxima refeição, eu sonhei com a história que ela me contava, como antes sonhava com uma imagem colada a um poste.
E o meu maior palco ainda consegue ser uma simples parede em branco, onde projecto os meus sonhos.
Não entrarei naquele teatro pela noitinha, embalado pelos meus cinco sentidos despertos sobre um lago feito do meu próprio gelo. A ela faltaram-lhe as palavras para me contar a sua história.
E no meio disto tudo, restou-nos a cada um de nós, uma imaginação muito própria expandida pela nossa própria experiência. Várias histórias no fundo.
Nunca competirão, nunca se saberão, nunca serão reais.
Mas debaixo de uma luva, ou como uma imagem colada num poste que ninguém vê excepto eu, não duvido que existiram, pelo menos aqui, dentro de mim.
E foram a melhor parte do dia.