Thursday, March 08, 2007

El Hombre


Existe uma certa sedução na simplicidade.
Será talvez da bipolaridade do tempo do norte, do google earth ou talvez dos 50 anos da rtp, mas dá-me para pensar em tempos antigos.
Talvez me aperceba que estou velho por criticar a nova geração que aí vem, por me dar ao trabalho de adormecer o meu afilhado, por ter perdido as certezas absolutas e me apegar à sentimentalidade das coisas...
Mas talvez apenas esteja velho apenas por ser este o tempo do complicado.
Não têm saudade do tempo da simplicidade, da felicidade dos pontapés na bola, das cartas e bilhetinhos de amor passados nas aulas, das férias de 3 meses?
Estou simplesmente superpovoado!
O mundo desconstrói-se em ecrâs, as pessoas enervam-me, palavras como recessão e crise já não fazem parte da esfera do mundo da gente crescida mas entram-me pelos olhos dentro cada vez que saio à rua.
E a maior ilusão é que pensava que ser grande traria maior ordem a este mundo.
Mas parece que não, a verdade é que aquilo que se aprende durante anos se acumula como sucessivas camadas de pó sobre um vidro, e de cada vez que tentamos espreitar cá para fora, para o mundo real, cada vez mais essa visão é distorcida... mais que distorcida é decomposta nos seus elementos fundamentais que se adicionam, que se multiplicam...
Ou então as coisas já não são o que eram e os novos tempos trazem consigo outro conteúdo às formas de outrora.
Os anos 80 eram tão chungas, os anos 90 tão dourados, os anos 2000 são o quê?
A linearidade dos olhos da criança que há em mim ainda acredita talvez que o mundo é apenas este que lhe aparece à frente para prontamente ser desmentida pelos olhos do homem que trespassa as formas em busca da imagem das coisas. E se o primeiro oferece verdade, o segundo apenas oferece ilusão, já não posso portanto olhar directamente para o mundo mas sim para o seu reflexo impresso em mim.
É final da tarde e o sol entra a rodos, apetece-me aconchegar o peso dos dias nessa névoa dourada, acendo incenso de chá verde, uma vela e sento-me ao parapeito envolto em luz. Trago um cigarro comigo. No meio do fumo leitoso que me queima os pulmões arrisco olhar lá para fora. E já não é esta rua que vejo, nem as pessoas, mas sim um espelho.
Revejo-me em cada rosto que não é o meu, faço do negro do alcatrão que se destaca entre passeios as minhas artérias serpenteantes e dos seus carros glóbulos rubros, vejo o contorno dos prédios como o meu contínuo de pele, acariciada pelo sol e pelo ar que é sempre em excesso. No entanto, não é o ruido da cidade que escuto, mas sim uma melodia de jazz. As coisas deixaram de ser para além de mim, estão cá dentro, e olhar para esta rua, para esta cidade, para este mundo, é ver os sentimentos desconexos em mim apropriarem-se e tomarem conta da mais simples percepção.
Consumidor do real...
Tenho saudades das coisas simples.
Crescer é tão só, egotista.

5 Crossroads:

Anonymous Anonymous said...

Agora disseste tudo... onde está o tempo em que a nossa única preocupação era superar mais uma hora de aulas até ao intervalo seguinte? e em que uma simples hora esparramados nas escadas da escola ao sol feitos lagartos era um dos maiores prazeres?... tb eu tenho saudades desses dias, desses tempos de inocência e simplicidade...

9:43 PM  
Blogger Daniel C. said...

...ou então, naquele gelo de inverno, esparramarmo-nos nos radiadores cinzentos ;) tu sabes!!!
Acho que os perdemos nos dias, ou entre os dias...
Bons tempos... ou então não... acho que só damos conta disso pelos tempos que vivemos agora...
Qu'est qu'on va faire...

9:55 PM  
Blogger nexinha said...

Qu'est qu'on va faire...
Eu acredito nas coisas simples, elas não acabaram, estão diante dos nossos olhos... é só uma questão de atitude perante elas :)
*

9:44 AM  
Blogger Daniel C. said...

Cara Inês :)
Seja bem aparecida, já não sabia de si à muito tempo!
Eu acredito que acredites em coisas simples e essa é uma boa atitude...
Mas há límites que não podes atravessar, do outro lado sabes instintivamente que não podes voltar atrás. Novamente qu'est qu'on va faire?
Je peux pas, c'est la maladie du moment ;)

Bjinhos

5:28 PM  
Anonymous Anonymous said...

+ 1post 5estrelas, começa muito soft mas acaba em grande :) como provavelmente toda a gente que leu o texto, eu também tenho saudades dos anos simples e sem preocupações, das férias de verão sem nada em que pensar...enfim....tudo acaba, agora há que desfrutar os pequenos momentos que nos surgem e recordar os antigos com alegria! Sejamos bem vindos ao mundo dos adultos, aquele que um dia invejámos e que agora dávamos tudo para que voltasse atrás!! Bj gand

6:22 PM  

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