Monday, August 06, 2007

7AM-12PM


O dia era, já de si, perturbador.
Ideias ou sonhos infiltrados no meu caminho pela manhã, como fotografias afixadas aos postes, prontas a lembrar-me de um espectáculo ao qual seguramente faltaria.
Não era fácil arrancar-me ao meu sono, muito menos quando o meu Kicker tardava em aparecer para abrir as hostilidades.
Hoje nem com um café lá íria.
Para ajudar, os esquemas confusos de sempre, uma coisa que não se espera, ou uma novidade indigesta servida como sobremesa.
Podiam ter-me poupado a isso.
Mas não.
Começo contrariado, e mais umas vez as imagens, infiltradas em mim. Não estava puro, não tinha deixado de fora todas as ideias e sentimentos, por uma vez ao tirar a roupa não me despi de mim mesmo para abraçar uma ideia, talvez por pensar que o que guardava no cacifo era importante demais para me contentar em espreitar a espaços.
Não aquela ideia, não aquela imagem.
Arranco a espaços, sem nunca apanhar o ritmo. Como sempre agitam-se ao meu redor e eu tomo o meu tempo, processo devagar como que a dar à minha pele uma consistência que não sinto cá dentro. A todo o momento penso que irá ceder sob qualquer peso.
Subo lentamente, carregando um peso. Como um lastro que venço em guinadas heróicas de consciência.
Entro num quarto. Estava destinada para mim mas é como se a visse pela primeira vez. Estava a chorar, segurou a minha mão com a mão que lhe restava e na impossíbilidade da palavra verbal contou-me uma história bonita enquanto afagava insistentemente o látex sobre a minha mão. Tirei a luva porque não saberia fazer outra coisa.
Por um momento, como de manhã, esqueci tudo o que sabia de monitores, de regras e condutas, para me concentrar numa imagem colada a um poste de iluminação.
E no meio de tantas impossibilidades castradas pelas certezas, restam-me os limites da minha imaginação.
Como um puto pobre sonha com doces numa noite de natal quando nem sequer sabe se terá pão para a próxima refeição, eu sonhei com a história que ela me contava, como antes sonhava com uma imagem colada a um poste.
E o meu maior palco ainda consegue ser uma simples parede em branco, onde projecto os meus sonhos.
Não entrarei naquele teatro pela noitinha, embalado pelos meus cinco sentidos despertos sobre um lago feito do meu próprio gelo. A ela faltaram-lhe as palavras para me contar a sua história.
E no meio disto tudo, restou-nos a cada um de nós, uma imaginação muito própria expandida pela nossa própria experiência. Várias histórias no fundo.
Nunca competirão, nunca se saberão, nunca serão reais.
Mas debaixo de uma luva, ou como uma imagem colada num poste que ninguém vê excepto eu, não duvido que existiram, pelo menos aqui, dentro de mim.
E foram a melhor parte do dia.

1 Crossroads:

Anonymous Anonymous said...

Caríssimo Daniel:

Se cada dia cai, dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.

há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar luz caída
com paciência.

Pablo Neruda

7:37 PM  

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