A Fuga
Deram-me um registo persistente, tudo o que eu quero são os meus momentos de fuga.
Insistente, como a minha ideia de escudo, a minha transformação numa ideia, a minha pele como penúltima fronteira, no fundo tudo o que eu sou empurrado para canto, num espaço indefínido, mas bem longe daqui.
E toda a gente insiste no meu stress, na minha correria diária... Haverá stress na paixão?
É tão só o meu corpo discinético, que se move num espaço conhecido, mesmo assim desconfortável, mesmo assim querendo mais, querendo arriscar um pouco em cada gesto, romper com a rotina uniforme.
Se me importo?
Mas é claro que me importo, não o faria por menos, se em tudo o que faço coloco grande parte de mim.
A discinésia está no espaço que não controlo, entre aquilo que eu quero, e aquilo que as regras (malditas regras) me dizem para fazer.
E elas dizem-me que o meu corpo tem limites definidos, que precisa de um descanso, que se queixa da sua dor, que quer relaxar quando a vontade lhe pede que contraia, que quer uma fuga para não queimar.
E eu ofereço-lhe a espaços um túnel de vento.
Sozinho, como eu gosto de lá estar, quase despido, sentindo o vento em todo o meu corpo, fechando os olhos, traçando um, disfrutando a sombra, querendo calar as vozes que se ouvem no fundo, mergulhar noutro espaço. Eu quero sair. Eu preciso.
Preciso desse instante esquecido, dessa minha suspensão no espaço, eu quero sair.
Quero matar as ideias e a lógica subjacente, não quero ter coragem, não preciso de bravura, não me incomodam os julgamentos, as amizades, os preceitos, as conversas do dia a dia, os relatos, as paixões comezinhas, os almoços, o stress, as praias e o tabaco. Eu só quero sair.
Quero o meu túnel de vento para me conhecer por dentro e por fora.
Quando me dão um registo, em que eu insisto, em que eu persisto, no qual me desgasto, ofereçam-me também um túnel de vento, e uma pausa de 5 minutos para poder respirar.
Em todo o resto do tempo, sou apneico, e o meu coração pára por alí, sou uma ideia que preenche um corpo e empurra o que sou para bem longe dali.
E quando me canso, digo um até já à rotina e transcendo.
Sinto a cabeça a cair.
E dou as boas vindas ao meu mundo, que não estranha a minha ausência, ao meu espaço onde não existem fórmulas porque o tempo parou. E se colho uma flor, ou me deito indolente sobre uma árvore frondosa, sou eu que escolho o momento.
Ultimamente chove muitas vezes, e eu resguardo-me da invernia, no meu jardim de Inverno, sabe-me bem aquele calor húmido da estufa, e o som da chuva a cair no resguardo... tenho uma chaise longue amarela-torrada e um chávena de chá a aquecer, tenho uma manta escocesa, e tabaco de enrolar com 2 mortalhas e um filtro.
À minha frente coloquei uma tela branca e fico a vê-la iluminar-se a espaços com a minha própria imaginação.
Debaixo dos meus pés, como um cão indolente que repousa, fica toda a minha existência.
E quando desconfia, levanta a cabeça e fica atento ao ar que passa, e se ele lhe sabe a derrota.
Estou no limíte das minhas forças e a balança tarda em parar.
Para que lado pende, não se decide, de que lado fica a vontade, já eu decidi à muito.
E ofereço a mim mesmo uma linha de fuga.
No meu meio dia ocupado, no registo enquadrado, todo o espaço fora da caixa é a melhor parte do dia e uma promessa de redenção.
Hoje descanso as mãos sobre um livro e fico a ouvir os acordes a embalar a minha própria preguiça, está a chover lá fora e eu não quero pensar...
Pensar é uma doença da alma, sendo a cura sonhar...
Tremo, e escondo a cara entre os braços, e fico sentado no parapeito sem saber se o que existe lá fora é real ou não...
É a fuga...
Exactamente como estou a precisar.
Muitos Parabéns Daniel! 16/08
Encontrei um "girassol" no meio do campo, toma, é para ti:
"Sabes, como eu, que não tem que haver uma explicação metafísica para tudo. E é por isso que há um lugar onde jamais te perco. Nem que seja contra a parede em que me atiras, a cada vez que vens para me fazer marinhar ao espaldar da cama. Nem que seja contra a parede, a parede em que me lanço quando já nada em mim resiste aos dedos que me fechas em punho. Nem que seja (tu sabes!) atrás das mortes que em mim repetes."
Eu sei, não digas nada! Beijo