6 minutos e quarenta segundos
think Stravinsky versus Victorian era clothing
ele rolava o maço de tabaco entre as suas mãos, rodopiando-o precariamente sobre uma pequena poça de cerveja que manchava a toalha onde o copo tinha pousado antes
a ele não lhe interessava estar ali, entre manequins de mamilos erectos e olhar vazio, que compunham, com meia dúzia de trapos, as lojas que rodeavam aquele claustro dos tempos modernos. antes faziam-no com árvores e fontes, hoje substituíam isso tudo por luzes fluorescentes e um piso com a mesma consistência do vinil e igual cor.
mas a ele já não lhe restava muito mais que os seus ataques de pânico destilados no fundo de um copo, a elevarem-se como ondas de encontro à mesa de mistura, era esse o som que escutava no fundo e se sobrepunha à batida eléctrica do sucesso mais recente, era como um bom clássico dos anos 70 que nunca nos cansamos de ouvir quando a nostalgia nos vem bater à porta de mansinho, e esse marulhar reconfortava-o com a mesma ternura com que reencontramos um velho conhecido a bater no nosso tímpano, ligando-se directamente às nossas cordas vocais até em nós não restar mais do que a vontade de acompanhar o ritmo.
de vez em quando a madeira estala sobre os seus pés, ele sente o estertor a percorrer o seu corpo filtrado pelo acolchoado e a espuma do sofá vermelho onde se encontra. ao seu lado, num estertor semelhante, um casal abraça-se e vai trocando juras de amor eterno por entre gritos já que o som ambiente não permite mais.
a ele só lhe apetece mais um copo, e um pedido especial que ainda há-de fazer ao dj 6 minutos e quarenta segundos antes de se ir embora.
mas antes desse pedido chegar ainda há que desfolhar lentamente, como uma margarida, as causas e os efeitos deste mundo e do outro que criaram o chamado destino e o guiaram ali.
as coisas começam muito cedo, numa explosão, eventualmente numa noite de sexo duro, daquele que acorda os vizinhos e os faz fantasiar sobre o que escutam. depois todos os eventos se encaminham para aquele desfecho, juntem-se umas quantas leis, ditadas ou proscritas, sonhadas no interior de insuspeitos gabinetes e anotadas nas margens por secretárias conscienciosas de mais para caírem num preconceito de género.
anotam-se pois as piadas no verso, e vai-se desfiando uma após a outra como contas do rosário. à medida que se contam os dias escavam-se fossos entre nós, e nada pode ser como antes... preenchem-se de água e fazem-se oceanos, no final fica sempre aquela imagem distinta, intrinsecamente perfeita mas que nos lembra apenas do sítio de onde viemos e não do sítio para onde queremos ir.
e é aí que eu entro, para estragar a frequência, perfilo-me como um desses manequins, que te olham vazios através das montras cobertas de pó, se o dia é nosso e à luz do sol parecemos vivos, nesta noite, ou em todas as outras, somos apenas estátuas de cera que te olham através de aquários e te vêem ir quando o bilhete acaba e tens de sair por aquela porta
se tivesse coragem ainda te pedia para ficar
e por entre convulsões de pânico imaginaria fazer-te feliz à velocidade do som
chega-me a mim, chega-te a mim, e deixa que os perfumes se entrelacem como se entrelaçam os sons naquela pista, hoje somos luzes de néon e vamos ter a sua consistência, vamos imaginar que nada nem ninguém nos controla e podemos divagar por toda a pista, detendo-nos apenas nas pessoas que escolhermos amar.
deixa que engane a morte e a conveniência, hoje a noite é jovem e ainda nem cheguei ao fim do copo para nele encontrar o meu destino, hoje somos nós e não os outros e portanto prometeremos, sendo fiéis, que gostaremos um do outro pelo menos até a noite acabar, faremos amor neste sofá vermelho de damasco e confiaremos nos manequins e no seu olhar frio para nos guardarem enquanto dormimos.
amanhã acordaremos sozinhos, e longe daqui, já só faltam 6 minutos e quarenta segundos para partir
a última canção é para ti...
lady of the flowers
they've been dead for hours
interflora
cause i adore ya...
ele rolava o maço de tabaco entre as suas mãos, rodopiando-o precariamente sobre uma pequena poça de cerveja que manchava a toalha onde o copo tinha pousado antes
a ele não lhe interessava estar ali, entre manequins de mamilos erectos e olhar vazio, que compunham, com meia dúzia de trapos, as lojas que rodeavam aquele claustro dos tempos modernos. antes faziam-no com árvores e fontes, hoje substituíam isso tudo por luzes fluorescentes e um piso com a mesma consistência do vinil e igual cor.
mas a ele já não lhe restava muito mais que os seus ataques de pânico destilados no fundo de um copo, a elevarem-se como ondas de encontro à mesa de mistura, era esse o som que escutava no fundo e se sobrepunha à batida eléctrica do sucesso mais recente, era como um bom clássico dos anos 70 que nunca nos cansamos de ouvir quando a nostalgia nos vem bater à porta de mansinho, e esse marulhar reconfortava-o com a mesma ternura com que reencontramos um velho conhecido a bater no nosso tímpano, ligando-se directamente às nossas cordas vocais até em nós não restar mais do que a vontade de acompanhar o ritmo.
de vez em quando a madeira estala sobre os seus pés, ele sente o estertor a percorrer o seu corpo filtrado pelo acolchoado e a espuma do sofá vermelho onde se encontra. ao seu lado, num estertor semelhante, um casal abraça-se e vai trocando juras de amor eterno por entre gritos já que o som ambiente não permite mais.
a ele só lhe apetece mais um copo, e um pedido especial que ainda há-de fazer ao dj 6 minutos e quarenta segundos antes de se ir embora.
mas antes desse pedido chegar ainda há que desfolhar lentamente, como uma margarida, as causas e os efeitos deste mundo e do outro que criaram o chamado destino e o guiaram ali.
as coisas começam muito cedo, numa explosão, eventualmente numa noite de sexo duro, daquele que acorda os vizinhos e os faz fantasiar sobre o que escutam. depois todos os eventos se encaminham para aquele desfecho, juntem-se umas quantas leis, ditadas ou proscritas, sonhadas no interior de insuspeitos gabinetes e anotadas nas margens por secretárias conscienciosas de mais para caírem num preconceito de género.
anotam-se pois as piadas no verso, e vai-se desfiando uma após a outra como contas do rosário. à medida que se contam os dias escavam-se fossos entre nós, e nada pode ser como antes... preenchem-se de água e fazem-se oceanos, no final fica sempre aquela imagem distinta, intrinsecamente perfeita mas que nos lembra apenas do sítio de onde viemos e não do sítio para onde queremos ir.
e é aí que eu entro, para estragar a frequência, perfilo-me como um desses manequins, que te olham vazios através das montras cobertas de pó, se o dia é nosso e à luz do sol parecemos vivos, nesta noite, ou em todas as outras, somos apenas estátuas de cera que te olham através de aquários e te vêem ir quando o bilhete acaba e tens de sair por aquela porta
se tivesse coragem ainda te pedia para ficar
e por entre convulsões de pânico imaginaria fazer-te feliz à velocidade do som
chega-me a mim, chega-te a mim, e deixa que os perfumes se entrelacem como se entrelaçam os sons naquela pista, hoje somos luzes de néon e vamos ter a sua consistência, vamos imaginar que nada nem ninguém nos controla e podemos divagar por toda a pista, detendo-nos apenas nas pessoas que escolhermos amar.
deixa que engane a morte e a conveniência, hoje a noite é jovem e ainda nem cheguei ao fim do copo para nele encontrar o meu destino, hoje somos nós e não os outros e portanto prometeremos, sendo fiéis, que gostaremos um do outro pelo menos até a noite acabar, faremos amor neste sofá vermelho de damasco e confiaremos nos manequins e no seu olhar frio para nos guardarem enquanto dormimos.
amanhã acordaremos sozinhos, e longe daqui, já só faltam 6 minutos e quarenta segundos para partir
a última canção é para ti...
lady of the flowers
they've been dead for hours
interflora
cause i adore ya...