Sunday, August 06, 2006

Theater


Lembras-te de mim?
Quando descias a escadaria e cantavas, parecias tão diferente...
Seria talvez do cabelo apanhado, da roupa que te ficava bem mas que não te servia, dos óculos que usavas, ou do teu vozeirão projectado para fazer sucesso.
Estava alí, acho que na segunda fila e olhava para ti e acho que também aplaudi, não sei se sabias mas não sorria por ti, ou pelo teu espectáculo, para te ser sincero nunca gostei de musicais...
Andei perdido por um daqueles corredores que lembram outras épocas, estupidamente encontrei quem me lembrasse da pequenez dos meus dias, saudei a pessoa inclinando ligeiramente a cabeça para a frente afinal o meu trabalho também era de representação demonstrando os preceitos de quem louva alguém de quem não conhece os feitos... Faço vénias também, mas estas não ocorrem no final do espectáculo a agradecer um público que apreciou o meu sucesso em palco, fazem sim parte do espectáculo e são apenas mais uma forma de bien faire...
As minhas três pancadas devem ter sido os 300 km que me separaram de mim, as lágrimas por me achar só, e um nó de gravata apertado num fato escuro riscado. And up you go, à hora marcada num relógio partido, à espera de mudar de vida sem ter feito um ponto final stop na anterior (que se prolongou até Outubro aos repelões).
Acho que ninguém me desejou que partisse uma perna, excepto eu em sentido literal, afinal aquilo era a vida e não um teatro qualquer onde durante a minha hora em cena divagasse com máscaras acerca de sentidos mais ou menos filosóficos, mais ou menos irónicos, mais ou menos reais.
Houve uma vez, há muito tempo atrás, escrevi qualquer coisa sobre isto, inspirado por uma frase de Shakespeare, e uma história de vida engraçada... teria qualquer coisa a ver com as máscaras que usamos quando pretendemos agradar a alguém. Muitas vezes fazemos da vida um palco, ou melhor uma atracção, receosos da solidão interpretamos de acordo com aquilo que os outros querem ver em nós procurando aceitação em vez de verdade...
E então chega a altura em que chegados ao palco colocamos uma máscara e temos um figurino qualquer, que se altera conforme o público e as circunstâncias, chegada a nossa hora representamos um papel que não foi escrito por nós, mas sim por esse mesmo público, usamos essa máscara que nos querem à força obrigar a usar, apenas por um aplauso final, uma rosa lançada aos nossos pés, uma vénia de agradecimento, porque cumprimos as expectativas...
Há por vezes loucos que invadem o palco e atiram cadeiras ao público, rasgam os adereços e quebram as luzes, há aqueles que dizem: "que se extingam as máscaras, quero aceitar-te como és..."... loucos...
Nunca fui bom a representar, nunca tive um grande público e muito menos agradei à maioria, os aplausos geralmente saiem forçados e intercalados por bocejos, e provavelmente no final ninguém vai ao camarim enquanto tiro a maquilhagem, o bar funciona 24h e vende amendoins e coca cola a preços muito acessíveis...
Sou um bocado naif, como aqueles quadros engraçados, e acredito facilmente na bondade natural que rege o mundo e move as pessoas, acredito nas palavras fáceis que me dirigem, acredito no destino, nas flores e no por do sol... enfim sou frágil e hipócrita, não admira que não goste dos espelhos do labirinto, nem de aceitar as primeiras justificações, nem da verdade...
E também sou responsável, segundo a minha mãe até demais, mas tudo faz mais sentido assim.
Há pouca verdade no meu caminho, e muitas hesitações, muitos momentos de pausa e muita vontade de ser conforme, muitos testes e erros, muitos trilhos desenhados por vontade alheia e que conduzem a lugar algum...
E mesmo quando tento há no meu teatro muitos lugares vazios e poucos ou nenhuns aplausos, deve ser dia de semana algures, ou há uma promoção nas batatas fritas, os lugares são caros merda para o governo que não apoia as artes... mas quem tento enganar, a minha eloquência sai forçada, a minha voz desafinou e soa a cana rachada, o guarda roupa está gasto e o cenário podre, a luz é fraca (o que é positivo sempre fico melhor na penumbra) e o som é pobre.
Não, não tenho mesmo jeito para representar...
Lembro-me de como descias a escadaria e cantavas, por acaso não me viste alí na segunda fila? Era um dos que sorria e aplaudi... desces-te de novo a escadaria, mas não cantavas, falavas de coisas triviais e aproximavas-te de uma pessoa afastando-te da imagem que tinha de ti, estavas diferente, seria do cabelo apanhado, dos óculos de vidro ou de um guarda roupa antiquado?
Não, desta vez não me viste... mesmo estando à frente de ti, e não, desta vez não me viste sorrir...


Este post é dedicado à Cátia.

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