As Segundas Feiras
Já pouca coisa me espanta, ou deveria espantar, cada vez mais concordo com a visão de Kusturica acerca do mundo, sobretudo quando em episódios do meu dia parece que a única coisa que falta é mesmo uma banda no fundo da sala a tocar excelentes acordes.
Começo o meu dia de manhã bem cedo, acordo como sempre, um banho em água fria para retemperar forças, e aí vou eu para um dia de trabalho.
Como é habitual chego sempre cedo demais. Por defeito de fabrico penso sempre que demoro imenso tempo a fazer as coisas, dando uma margem de segurança que chega a ser rídicula.
Uma das minhas primeiras pacientes da manhã está numa box indívidual a acabar um tratamento. Ao seu lado está uma senhora com os seus 30 anos a ser tratada à anca. Alguém me explique como se eu fosse muito burro ou demasiado puritano, quem é que vai fazer tratamentos a um anca usando uma peça de roupa interior mínima, vermelha e transparente???
Como não é minha paciente, para além do cumprimento da praxe, não lhe disse mais nada. Pelos vistos a senhora parece que estava a minha espera para se queixar dos choques eléctricos que estava a receber... quer dizer queixar não é bem o termo pois segundo palavras da própria "levar assim uns esticões de vez em quando até que sabe bem"... o alarido e as queixas só terminaram enquanto eu lhe tirava aquilo enquanto ela se inclinava excessivamente sobre mim.
Compreendi desde logo que a intensidade era demais e que a corrente, seguramente, lhe tinha queimado uns quantos milhares de neurónios.
Adiante.
A minha hora zen com os meus miúdos lindos da neonatologia tinha de ser estragada por uma conversa metafísica sobre fé e religião.
Certo indivíduo cruzou Herman Hess com Jesus Cristo e inventou a roda. O problema não está aí, o problema está em tentar-me convencer de teorias New Age recicladas, e fazer disso uma bioética estranha e desviada. Por mim tudo bem, mas escusava de me estragar o melhor momento do dia com divagações.
É que não há nada mais chato do que escutar monólogos assertivos de pessoas repletas de certezas.
E hoje como o dia foi mais comprido, fui fazer a boa acção do dia tratando um amigo do meu pai, com os seus 53 anitos que se queixava de uma lombalgia persistente.
A história que ele me contou perante o olhar atento da sua esposa e filho não batia muito bem com os sintomas, mas nada de extraordinário, avaliei, tratei, receitei alguns exercícios e saí dali com a consciência tranquila por ter feito um bom trabalho.
De facto o senhor estava melhor.
Tanto que se ofereceu para me acompanhar ao carro.
Aproveitando aquele momento a sós confessa que tem algo para me contar.
Afinal uma lesão ao sair do carro, transformou-se na versão mais genuína de uma lesão traumática por sexo extraconjugal praticado no chão:
"ela lá se desviou, ou eu apoiei mal o braço, o certo é que depois estava eu a tomar o meu banhinho e senti uma pontada aqui de lado, que me descia até à perna"
pronto, pensei eu, isto faz muito mais sentido, enquadra-se, é um caso clássico de lesão traumática, mas porquê os pormenores?
"é que pronto, eu estou a contar isso ao Daniel porque sei que isto é a mesma coisa que falar com o médico, sabe como é, uma pessoa casada à tanto tempo tem vontade de experimentar coisas novas, dar assim umas facadinhas, ainda para mais ela é mais nova e tal, puxa mais por mim"...
MAS PORQUÊ OS PORMENORES???
"olhe... (pausa comprometedora, enquanto a esposa acenava do 8º piso para me deixar ir embora que eu tinha alguma pressa)... é que estou aqui a pensar, eu não quero ficar pior, mas não queria ficar tanto tempo sem dar uma queca, acha que para a semana já posso ir ter com a minha amiga?"
(ahhh, já te estou a perceber) "em princípio sim, veja como se encontra amanhã e se estiver sem grandes dores no fim de semana já pode recomeçar com calma, mas nada de exagerar, tente fazer uma coisa mais calminha" (tipo, experimente com a sua mulher antes, não é a mesma coisa, mas sempre dá para fazer o test drive)
"claro, claro, daquela vez é que a gente se entusiasmou e tal, da próxima vez é na caminha, que eu tenho que me poupar"
Sim senhor.
A realidade consegue ser mesmo melhor que qualquer ficção.
E hoje é só segunda feira.
lollllllllll
ops.. desculpa se não era para rir.. não consegui evitar. Sabes, acho que te começas a aperceber como o ser humano pode ser tramado. Apenas gargalhei ao imaginar-te farto de aturar cenas rídiculas, realmente a senhora da lingerie.. hum, se eu fosse a ti para a próxima aumentava-lhe aí uns bons Volts supondo que se trata de um aparelho para dar corrente magnética. Põe no máximo a ver se a tanga se solta loll. Daniel, deixa lá, provavelmente estava carente :). Acho que podemos dar desconto a estas cenas quando conhecemos o comportamento humano em certas situações. Quanto ao senhor que brinca com meninas mais novas, escusava de te por a par da situação realmente.. pormenores.. torna-te cúmplice. Manda-o descarregar a consciência a alguém que a possa aliviar.
Hoje já é terça. Não foi tão atribulada pois não? E estamos vivos :)
Beijitus
AH! Tudo existe nos pormenores, nos mais ínfimos e indescritíveis pormenores. É a cega vulgaridade, a banalidade social em que vivemos que insistentemente nos atira areia para os olhos e desvia a nossa atenção, que não nos deixa concentrar na maravilhosa experiência dos pormenores. Mas acredito que ainda existem aqueles que com poderes quase sobre humanos, fintam a vulgar banalidade, e vivem no mundo fantástico das pequenas (grandes) coisas. :)*
:) esta realidade não existe...
Marta,
Sinceramente quando tinha amigas minhas que se queixavam de assédio no local de trabalho pensava "isto nunca vai acontecer comigo"... começo a ver que estava bem enganado loool
Sim, acho que começo a conhecer, e se já antes não tinha grande apreço pelo ser humano, agora começo a perder a esperança...
Enfim, acho que vou aproveitar a tua sugestão, o problema é ela gostar de levar os "esticões" e não me largar a perna ;)
Quanto ao senhor, foi de rir, o que o senhor queria mesmo de mim era uma "alta" médica que o habilitasse a prosseguir com as "facadinhas" no matrimónio... a descontracção com que ele me perguntou foi completamente surreal. Não acredito que sinta a consciência pesada, por isso o problema deve ser mesmo meu por achar este episódio tão estranho...
Cá andamos, um dia de cada vez ;) a fazer o melhor todos os dias, mas sempre, sempre com um sorriso na cara!
Bjinho **
Bárbara,
Para mim, o curioso é mesmo tratarem-se de pormenores, coisas de pouca importância. O facto de eu as encarar como estranhas ou bizarras faz-me sentir desajustado. No meio dessa tempestade de areia é díficil para mim manter o norte, sobretudo quando a minha ideia de "justiça" consiste em não "julgar" ninguém ;)
Enquanto espero que a rotina me apanhe aínda corro o mais possível para que tudo isto me pareça estranho. Curiosamente, quanto mais estranho me parece o mundo, mais perto me sinto do meu verdadeiro "eu".
Quanto ao resto partilho da tua esperança em que existam esses seres especiais por aí (e não é que eu conheço uns quantos?) afinal se nos encontramos aqui a discutir isto é porque paramos num pormenor... e por muito estranho que seja para ambos, pelo menos persiste essa ideia de contacto, como uma ponte para esses lugares fantásticos que é o nosso espaço comum ;)
Bjinho *
Astolfo,
Gd Paulie, como díria um certo amigo nosso, o ser humano é mesmo doente...
Será que aconteceu ou foi tudo na minha cabeça???
E ao jeito de private joke, adivinha quem encontrei nesse dia...
...
Suspense...
...
AS GÉMEAS!
E traziam novidades em duplicado eheheheheehhehehehe...
Diz lá que não foi um dia estranho! ;)
(depois eu conto!)
Gd abxo
As "tempestades de areia". É interessante teres usado esse termo, já Haruki Murakami faz uma comparação perfeita entre as tempestades de areia e o destino dos homens. Provavelmente conheces a sua obra, mas se te é estranha, e a utilização do termo é meramente circunstancial, permite-me prescrever-te esta "receita" literária, que pode também ter efeitos terapêuticos incríveis, e falo com toda a propriedade de causa. Kafka à beira mar de Haruki Murakami, é absolutamente incontornável. :)*
pois meu caro amigo, a realidade ultrapassa muitas vezes a ficção. são esses episódios que por vezes nos dão a sensação de sermos personagens de um qualquer episódio de uma série cómica. ou surrealista.
eu também quero saber isso das gêmeas oubiste?
Cofff
as gémeas?? eheh q gd dupla...literalmente!! lol ya, tens mesmo q me contar isso...só a mim, só a mim :p
Bárbara,
Curioso ;)
Conheci Murakami através do "wild sheep chase", o livro era tão bom, que na última feira do livro do Porto não resisti a incluir no cabaz o "kafka à beira mar".
Foi daqueles livros que li num par de dias, adorei, afirmou-se como um dos meus autores preferidos. Por acaso não o associei imediatamente a este texto, mas agora que falas nisso...
Boa sugestão! ;)*
P.S.- aquele velhote que falava com os gatos, não me recorda agora o nome, está no meu top 10 de personagens literárias preferidas!
Nelio,
kusturika é que tem razão, o mundo parece-se cada vez mais com o gato preto gato branco... tanto que às vezes dou por mim a olhar para trás a ver se não vem uma banda a tocar eheh!
1 Abraço
Marta & Astolfo,
Que comentário bipolar! ;)
Eu levanto uma pontinha do véu, mas não muito:
Vão lançar-se na iniciativa privada. A politica de marketing agressiva será composta por uma promoção "pague uma e leve com as duas" o problema é que se não estiverem no mesmo local simultaneamente o cliente vai-se sentir enganado lol.
1 bjinho
&
1 abraço
Fiquei esclarecida e o resto fica por conta da minha imaginação..
O bjinho deve ser p'ra mim.. tás a ver ó adolfo? p'ra mim um jinho, p'ra ti um 'braço seu invejoso! conta só a mim né? :PPP
so para dizer q o "adolfo" ja está a caminho de sta maria da feira a toda a velocidade :p