Friday, April 16, 2010

Cabói Inglês

A vulgaridade não está marcada em nós como um sinal.

Surpreende-nos a uma esquina da vida, como uma puta, tresanda a perfume barato e a súor e convida-nos a uma queca rápida entre os lençóis coçados de uma pensão barata.

Não escapamos a esse destino. É o destino que nos coloca uma nota no bolso quando perdemos a mão nessa fundura procurando mais uma desculpa do que um conto de réis. Ou então é o destino que nos desperta da cama e nos faz caminhar a horas em que todos os gatos são pardos. Ou talvez seja ainda o destino a turvar a nossa vista fazendo-nos crer que aquele par de pernas apertadas numa saia minúscula têm muito mais sensualidade do que varizes pulsantes desenhadas como rios em pernas velhas e cansadas de se abrirem ao primeiro que lhes apareça com dinheiro.

A vulgaridade surpreende-nos, saindo da esteira dos nossos próprios passos, saltando ao nosso caminho depois de apoiar uma mão no nosso ombro, fingimo-nos surpreendidos ou até mesmo revoltados, mas raspando o verniz à coisa irrita-nos mais a previsibilidade cénica da coisa do que o seu sucesso.

A vulgaridade escapa como água por entre as palavras e faz com que os nossos passos se entrelacem e que os nossos pés tropecem um no outro enquanto se lhes vai o destino pelo dilúvio abaixo e se remetem como barcaças a suportar a corrente.

A vulgaridade aproxima-nos dos outros enquanto extende as noites até ao limite do possível para depois as preencher com solidão. Lembra-nos que não estamos sozinhos enquanto prolonga e multiplica os dias para que cada um nos lembre do anterior e nos prometa o próximo, prolonga e multiplica as pessoas para que cada uma nos lembre a outra e a outra nos lembre a nós próprios.

A vulgaridade faz desta distância um fosso e preenche-o com oceanos, florestas e dragões mitológicos que cospem fogo com a mesma velocidade com que eu sonho.

O comum é uma benção, faz com que rodemos a vida como quem não pensa na morte, mas só pelos segundos em que penso na morte é que eu sei fazer as pontes que atravessam estes oceanos ou que derrubam estas árvores ou que empalam estes dragões, para depois as perder, para não ser sozinho estando só para não ser querendo ser igual...

a maior ironia da vulgaridade é prometer comunhão na solidão ascética de uma visão superior cuja única pretensão é sonhar contigo

AP

0 Crossroads:

Post a Comment

<< Home