Friday, February 15, 2008

Rotinas.

Há, perto do sítio do qual me quero despedir, certo café de bairro...

(e é isto que me encanta no Porto, ambicionando ser cidade grande, cosmopolita, seja pela população ou pelas majestosas obras e produções desde o estádio do Dragão à casa da música, tem aquele espirito bairrista, aldeão até, em que numa simples freguesia, as dinâmicas sociais que aparecem têm a ver com uma cumplicidade de vizinhos que se habituam a ver, como num simples café, que não ficaria mal perdido numa aldeola qualquer do nosso país, onde os clientes habituais se conhecem pelo nome e cumprimentam, jogam jogos de azar e oferecem finos, estranhando se num ou noutro dia um deles não aparece por lá)

...onde aparece regularmente certo personagem, aparentando ter saído de um qualquer conto de Edgar Alan Poe.
Este homem senta-se habitualmente no balcão, não precisa de pedir nada, trazem-lhe sem pedir nada os 3 copos habituais.
1 deles traz água, o outro um compal de pêssego e o último é um balão, com uma dose generosa de aguardente de uma qualidade mais apropriada à desinfecção de feridas do que à ingestão humana.
Enquanto vai alternando a ingestão das 3 bebidas, deixando sempre para o fim o copo de água, o homem puxa de uma banda desenhada da Dysney e vai lendo enquanto murmura comentários imperceptíveis, ainda não percebi muito bem se sobre o que está a ler ou sobre a vida.
Uma vez por outra, vem apetrechado de um leitor de Mp3, ouvindo qualquer coisa enquanto o mesmo ritual é cumprido.
Não sei se todos os dias, nem eu tenho vida para lá estar como ele na mesma moldura humana que parece fazer parte da mobilia da casa, mas na maioria das vezes que eu lá vou, encontro-o sempre, cumprindo com fervor quase religioso aquela sequência de eventos com a qual a vida lhe parece fazer sentido.
Não tenho, como já deu para ver, grande esperança na raça humana. Não gosto particularmente das pessoas. Com este tipo em particular, encontro um certo divertimento em observar a sua rotina perfeitamente ensaiada assim como a indiferença ou reprovação dos olhares que caem sobre ele.
Não me parece muito diferente, no que concerne à forma, do que tudo o que os outros fazem por aí.

Há uma certa genuinidade na loucura, menos hipocrisia até.
Ainda bem que não há muitos como eu, para que este mundo aparente funcionar...

1 Crossroads:

Blogger Ana said...

às vezes sento-me num qualquer sítio e observo as pessoas que passam. gosto disso. algumas assustam-me de tão estranhas que são. mas ser-se estranho é tão bom. uma dia quero ter loucura suficiente para ser assim, como esse personagem que tão bem descreves, e encarar com indiferença o olhar reprovador das gentes que não conhecem o sabor da loucura.
já tinha saudades de te ler. *

8:09 PM  

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