Tuesday, September 04, 2007

Departure Lounge


Ele não é um nome, é um número.
Não chega a ser uma pessoa, ele é um facto. É um acontecimento fortuito, um produto do acaso.
Ele não chega a ser, mas persiste.
Dizem que não fala nada de interesse, que insiste em dar trabalho por se agarrar demais à vida, dizem que o seu tempo já passou, que ele não é deste mundo.
Dizem que lhe falta originalidade, criatividade, bom senso, dizem que só está bem quando bebe, ou quando fuma, ou quando anda, se senta simetricamente e faz as coisas certas pela família de bem.
Dizem que cada nódoa negra é culpa de outrem, diz que não viram, que são doentes e perversos, que lhe querem mal, que não o suportam nos dias, que não o conseguem ouvir durante as noites.
Mas sobretudo, dizem que a cabeça lhes dói quando acordam, e não se vão levantar...
"Deixá-lo ir"
Enganado
"Vai, mas não voltes"
Perde-te no caminho, morre, pára de vez.
Morre.
Isto é um assalto.


Ela permanece calada quando ele lhe toca.
E quando vem trazer de mansinho, o copo de água que lhe pediu.
Ela não tem nada que seja seu, e no entanto persiste, indivisivel.
Ele pediu-lhe para lhe roubar o corpo aos pedacinhos, ela assentiu.
Contando que demoraria toda uma vida, protelou, até que o fez um dia e descobriu, que em uma hora apenas já possuia todo o seu corpo, e a aridez que entrevia entre os poros se assemelhava a um deserto de ideias que nada faria supor.
Desiludiu-se pensou, de facto, nada lhe interessava para além do corpo que segurava com as mãos sobrando-lhe espaço para levar qualquer coisa à boca, sería um cigarro talvez.
Bocejava.
Nada daquilo lhe interessava para além da rotina de a ter entre os dedos, insignificantemente entrelaçada. Pensava que romperia qualquer vinculo que fosse com um simples afastar dos seus dedos, que ela lhe escaparia por entre eles até ao chão, partindo-se em todos os bocadinhos que ele um dia foi buscar, todos os bocadinhos que se varrem para baixo do tapete da memória, e que se esquecem ao final do dia sentado à beira mar.
Ela surpreendeu-o quando lhe disse "não te quero ver aqui" depois da noite.
Se soubesse que aquela teria sido a última, ter-se-ia comportado melhor.
Se soubesse que aquela teria sido a última, teria aproveitado mais.
Assim, apenas acordou ao lado dela como um desconhecido acorda numa ilha deserta.
Deu-lhe meia hora para aprender a fazer fogo, pescar peixes com um pauzinho afiado e descascar cocos com uma pedra afiada.
Depois disso lançou-o ao mar, e disse-lhe "não te quero ver aqui" jamais.
Ele engoliu as primeiras gotas de água pela manhã e souberam-lhe a sal.
Soube que estava no meio do mar e que tinha que aprender a nadar.
Enquanto aprendia a nadar, esqueceu-se de como se fazia fogo, de como se pescavam peixes e se abriam cocos.
Quando a boca lhe soube a terra, deitou-se de costas, para descobrir que aquele sol queima mais do que esperaria e lembrou-se dela.
Durante 100 anos, não vais poder voltar, disse-lhe o mar.
Durante os teus 100 anos terás de aprender a pescar, caçar, fazer fogo, e abrir a fruta com pedras.
Quando te cortares, sangrarás por 100 anos.
Depois dos 100 anos curarás as tuas feridas com sal.
Por cada ano, 100 cicatrizes.
Por cada ano tirar-te-ei 100 dias de vida.
Até o teu corpo doer e te pedir paz.
Eu dar-te-ei 100 anos.
E nunca, mas nunca, poderás voltar.
Mas tens uma ilha... e duas mãos para usar.


" Well I never came from no ghetto
But it wasn't nowhere near here
Well-spoken girls in stalletoes
Aren't something to fear"
Arctic Monkeys, Cigarette Smoker Fiona

2 Crossroads:

Blogger Miguel said...

;) Great.

11:36 PM  
Blogger Eme said...

está espectacular.. é só que te sei dizer. Tens mesmo uma escrita sublime Dani
Beijo

11:39 PM  

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