Thursday, September 06, 2007

A Essência

"... e descobriram que não podiam trabalhar por ele, teriam de trabalhar sempre COM ele..."


Enchem-se de gritos pela noitinha.
Mostram as medalhas enceradas das suas vitórias pessoais a quem só sabe responder com o desdém de um sentido de humor elevado.
Revoltam-se com isso e gritam ordens como impropérios.
Saraivada de uma chuva de verão, depois disso o silêncio e uma paisagem que transcorre ao longo de uma estrada sem carros.
Procuram-se aliados nos corredores e conspira-se. Se um clama por aquela ajuda divina sabendo que não vem, os outros todos esgotam-se em estratégias conspirativas e punhaladas nas costas.
Contra toda uma muralha de pragmatismo, vagas sucessivas de nomes, palavras gritadas, ordens e insinuações. E um sorriso brilhante com os olhos clarinhos da cor de um mar tropical.
Quando a vara não chega aliciam com promessas e doces comprados numa espelunca rançosa ao virar da esquina, falam do que não sabem ou erguem-se sobre a ponta dos pés procurando ser notados na sua magnífica insignificância,... mas parem... têm medalhas bem à frente no peito, e não se encerram em casa, antes passeiam na rua com todos os seus traumas e cicatrizes esquecendo todos aqueles esqueletos de culpa e remorso que deixaram em casa.
Chamam-lhe de exemplo e oferecem-no a cada gesto sem perceberem que a maioria já viveu muito mais do que aquilo e que mesmo aqueles que não viveram estão demasiados interessados nas suas batalhas pessoais para se importarem com recordações de batalhas passadas de uma guerra que não tiveram.
Falam de coragem, excepto daquela que lhes falta para abrirem a porra dos olhos e verem que o essencial não se muda, o essencial permanece muito para além da ferrugem que já começa a corroer os bordos de medalhas antigas.
Tens o momento, e tudo aquilo que te falta para atingir o próximo. E não se trata da suprema arrogância com que me fitas, nem do teu suposto pudor que te acolhe quando o rubor aparece na tua cara quando vestes os calções curtinhos e utilizas a mão para tapar tudo aquilo que não queres que se veja.
Não me mudas nem por um segundo e pedes-me que te mude por completo num só toque, queres de mim milagres quando eu só sei oferecer truques de algibeira, não, o que te move é tão diferente de mim como a noite é diferente do dia, e não, nunca precisei da tua autorização para saber como sorrir.
Há quem me diga, no outro universo que fica do outro lado da rua, que a verdadeira natureza de uma pessoa nunca se altera. Eu acrescento, mas a essência evolui.
Evolui quando lutam comigo num campo de batalha pequenino e se surpreendem por terem perdido estrondosamente e eu que nem sequer tive que apresentar um peão no campo de batalha.
O meu jogo faz-se de armadilhas e embuste, de dissimulação e engano, e como tal sou estratega, venço batalhas escavando poços quantas das vezes para me enterrar a mim próprio.
Fervem por sangue e querem pintar todos os machados e lanças de vermelho vivo, e eu que nem um escudo apresento.
Por tanto quererem lutar, olham sempre para baixo, olham sempre para o chão, se apenas se dessem ao trabalho de olhar para cima conseguiriam ver-me tão claro e transparente quanto a água que corre aos seus pés, mas não o fazem, mas nunca o fazem.
Por tanto quererem vencer, nunca se apercebem do fácil que seria e enredam-se irremediavelmente em todos os meus fios sem perceberem que quanto mais lutam mais eu me afasto de mim.
Quando encontram o meu fantasma, julgando conhecer-me já perderam a guerra julgando ter ganho a batalha.
Não lhes tirem a satisfação da vitória, nem a mim todo a bendita espessura deste manto com que cubro o que sou dos olhos do mundo.

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