Sunday, June 03, 2007

Síndrome de Alice


"mas és demasiado inteligente e reduzes as coisas aos seus componentes mais mínimos..."

"... para depois ires buscar o que te interessa, esse lado obscuro das coisas..."


hereisnohope

Soa-me a truque ou à magia da ficção publicitária esta consciência colectiva da meritocracia.
Como um espectro visível de comportamentos, que decompostos originarão apenas 3 cores fundamentais.
Soam-me a ideias fúteis e pueris todas as fórmulas mágicas e os créditos redentores, faz-me confusão o estereotipo.
Como o travo que me fica na boca entranhado depois de um cigarro.

As palavras que me interessam, deverão ser, no máximo, um punhado delas.
Começando pela palavra crescer. Dizem que se cresce quando se reveste o coração de uma placa impenetrável de dureza, algo que nos ensine a sorrir quando tudo à nossa volta desaba. Dizem que se cresce por dor, como a redenção da dor do parto que irá originar algo de puro e inocente. Dizem que se cresce não pelo tempo que passa, mas sobretudo por aquilo que de nós entregamos no seu passar. Dizem que eu cresci para me desiludir.
Passando à palavra parede. Porque um dos meus vícios constante era repetir que à lições que só se aprendem assim a bater de frente nela. Porque há lições que não podem ser traduzidas ou explicadas em palavras, há caminhos percebidos de fora que conduzem a uma parede de tijolos redundante para a qual nos dirigimos a toda a velocidade, sem haver nada neste mundo que altere a nossa trajectória, excepto, a já mencionada parede de tijolos à nossa frente. Dizem que há lições que só se aprendem assim.
E não há mais palavras.
Nem sequer para fazer uma mão cheia delas, mas apenas um par.

Houve várias colecções que principiei. Por falha de carácter ou de tempo que o valha, não se pode dizer que tenha completado nenhuma, a começar pelas cadernetas incompletas de jogadores que agora parecem ridículos com os seus bigodes farfalhudos, e a terminar em jardins de beatas em cinzeiros antigos.
Tenho numa caixa comprada em Amesterdão, certa colecção de caricas por cada marca de cerveja que provei em Bruxelas. Algures ao lado dela, há um estranho baralho onde a única figura presente é o sempre incompreendido Joker.
Aliviei muitos baralhos por este mundo coleccionando aquelas cartas que ninguém queria, é esse o meu baralho agora. Não haverá seguramente hipótese de vitória nele, nem para uma dessas míseras paciências, mas ninguém me tira da cabeça, que ao contrário da monarquia, ou dos peões que os acompanham, vão falar entre si e contar a história dos baralhos de onde vieram.
E muito têm para contar, diria eu, se os ouvisse.

Soube que era diferente quando em criança torcia sempre pelo vilão do filme.
Agora que cresci, e vejo que o gato nunca comeu o rato, que o lobo nunca apanhou o bip-bip e que sobretudo o caçador nunca deu um tiro no coelho e que isso se passará até ao final dos meus dias, tenho a sensação de dever incumprido como areia da praia que escorre nas nossas mãos.
Nesse limiar entre a esperança e o what's the matter doc expelido com sotaque irlandês forjei eu a minha capa contra tudo o que é mundano.
Agora, tanto eu como o coelho escapamos da mesma sorte mortal e mastigamos cenouras com ar despreocupado ao canto da história. No palco príncipal o jogo é muito mais subtil e compõe-se da multiplicação de mentiras.
Chamem-lhe hipocrisia ou simples maldade, quem o invoca pereceu com as mesmas armas que não soube empregar, mas o que sustenta os sorrisos são esses pregos enferrujados entre a ambição e a loucura.
E eu esqueci-me de tomar a minha vacina do tétano.


O caminho entrou na silly season e detém-se agora numa parede de tijolos, a gerência vai de férias e volta com melhores ventos.

Se a porta não fechar.

RDCS

The worst part of hell is leaving it.

5 Crossroads:

Blogger nelio said...

daniel, não feches a porta. é um gosto ler as tuas divagações em que me revejo. talvez seja um caminho mais difícil do que o percorrido por muita gente que está à nossa volta (e que sabemos nós dos caminhos interiores de quem está à nossa volta?), mas é um caminho muito mais rico e frutífero. viver assim como que no vazio, sem certezas e à margem das motivações sociais dominantes, é confuso. mas dá um gosto interior incalculável. gostei das tuas duas palavras chave. quem precisa de mais?

um abraço

12:56 PM  
Blogger Daniel C. said...

Nélio,

Isto é mais um retiro, acho eu, primeiro porque não tenho andado com grande vontade de escrever, segundo porque não me está a sair grande coisa. Obrigado pela força, daqui a algum tempo vou voltar, quando a maré mudar, entretanto vou continuar a ficar confuso, mas ainda assim sintonizado, com o que se passa à minha volta.

1 abraço

11:10 AM  
Anonymous Anonymous said...

Também vais para Oz.. tás a ver? Dani.. é do Verão, estou convencida que o Verão nos faz sentir estas coisas, há ali fora tanto para fazer.Não digo que não te afastes porque mais do que ninguém entendo. E a net,os blogs são.. isso mesmo: a net e os blogs. E nós somos.. NÓS. E estamos vivos. Até a vista Dani. Um grande abraço.

10:14 PM  
Blogger Alien David Sousa said...

Dany, adorei este teu texto.

Não fiques chateado se eu sublinhar esta frase e "ignorar" o restante.

"Dizem que se cresce por dor, como a redenção da dor do parto que irá originar algo de puro e inocente. Dizem que se cresce não pelo tempo que passa, mas sobretudo por aquilo que de nós entregamos no seu passar"


Crescemos sobretudo por aquilo que a vida atira para o nosso colo. Claro que crescemos por aquilo que entregamos de nós, mas essa entrega tem a ver com aquilo que recebemos da vida. Lutamos para sobreviver, damos o nosso melhor para combater o inesperado, para responder aos desafios. Crescemos com a dor, crescemos tentando ser pessoas melhores, lutando contra uma certeza: a vida não é justa.

Beijinhos dany e volta depressa

1:08 AM  
Blogger Daniel C. said...

Marta,

Precisamente :)
sinceramente, apenas agora que me afastei é que descobri que deixei muitas coisas por fazer por viver grande parte da minha vida atrás de um ecrâ de computador. Não digo que vá para oz (há quem não tenha magia para tal, afinal o que eu tenho é inveja de bruxas) mas pelo menos vou para fora do meu quarto. O que é uma pequena vitória,

Enjoy the silly season, um enorme verão para ti!
Bjinho


Alien,

Mais um excelente comentário, deixas-me sem adjectivos e com expectativas elevadas, achas bem? ;)
Eu gostava que fosse justo, mas isso é simplesmente demasiado bizarro... começo a compreender isso, e a crescer devagarinho que eu nunca fui homem para botar muito corpo ;P

1 bjinho

1:15 AM  

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