Sexta-feira, 8h da manhã
Foi até ao seu café habitual na esperança de a ver.
Pediu o habitual e enquanto mexia maquinalmente o seu café perfumado foi-se acostumando à ideia de que aquele lugar em frente dele iria permanecer vazio.
Acendeu o cigarro aspirando o seu sabor acre que se entranhava na parte de trás da sua língua, acamado pelo café que acabava de beber.
"Passam 10 minutos das 3, viu o Benfica ontem?" perguntava-lhe o empregado de balcão, familiarmente, enquanto esgrimia subtilmente as paixões de estar do outro lado da barricada. "Sim, ganhou bem." respondeu ele liminarmente enquanto mergulhava o seu olhar na chávena de café agora vazia. Hoje a conversa resumir-se-ia a este stacatto, habituados pela rotina, ambos sabiam intuitivamente como e quando continuar a conversa, na bipolaridade constante daquele cliente habitual.
Hoje não estava expansivo, preferia adivinhar o futuro nos desenhos que o açúcar residual deixava no fundo da chávena. O empregado de balcão adivinhou, preferindo arquitectar a equipa da próxima jornada na copa do café, em diálogo com os pratos sujos que sobraram do almoço.
Não, ela hoje não viria, habitualmente, como não veio nos 4 meses precedentes.
Hoje não haveria aquele jogo de xadrez composto de olhares cruzados. Ficou a saber que o sacrifício do seu bispo não conseguiu mais do que um xeque previsível à rainha. Outro peão tombou, mas aquele seria o último. Há jogos assim, que se jogam pelo prazer de jogar e não pelo resultado em si.
Lembrava-se de um desenho que fizera nas costas de um guardanapo, enquanto apreciava pelo canto do olho a perfeição daquela mão a poucos centímetros da sua. Os seus dedos eram compridos terminando numa unha bem cuidada, a sua pele era branca e muito lisa, desprovida daquelas rugas que circundam as articulações, inspirando-o a desenhar com meia dúzia de traços um paredão junto ao mar.
Porque o fazia? Talvez por desejar que a sua mão transpusesse esses poucos centímetros que a separavam dele, que a segurasse com força, uma força que não fosse fingida, e a conduzisse sem hesitação ou dúvida, a essa folha de papel. Demonstrar-lhe-ia que bastava essa convicção para anular o conceito papel, a palavra desenho, por sua mão ela sentiria não esse papel mas a areia da praia escorrendo pelos dedos, sentiria a sua pele arrepiar na água e contrair-se na rugosidade das pedras.
Como sempre fazia tirou esse papel desenhado do bolso, alisando-o à sua frente depois de desviar a chávena de café. Como sempre fazia o seu dedo deslizou ao de leve sobre a sua superfície.
Como sempre acontecia não foi o mar que sentiu mas sim a superfície áspera do papel e sob ele a lisura do granito.
Como sempre houve, há essa distância entre sonho e realidade, presente numa folha de papel.
Pediu o habitual e enquanto mexia maquinalmente o seu café perfumado foi-se acostumando à ideia de que aquele lugar em frente dele iria permanecer vazio.
Acendeu o cigarro aspirando o seu sabor acre que se entranhava na parte de trás da sua língua, acamado pelo café que acabava de beber.
"Passam 10 minutos das 3, viu o Benfica ontem?" perguntava-lhe o empregado de balcão, familiarmente, enquanto esgrimia subtilmente as paixões de estar do outro lado da barricada. "Sim, ganhou bem." respondeu ele liminarmente enquanto mergulhava o seu olhar na chávena de café agora vazia. Hoje a conversa resumir-se-ia a este stacatto, habituados pela rotina, ambos sabiam intuitivamente como e quando continuar a conversa, na bipolaridade constante daquele cliente habitual.
Hoje não estava expansivo, preferia adivinhar o futuro nos desenhos que o açúcar residual deixava no fundo da chávena. O empregado de balcão adivinhou, preferindo arquitectar a equipa da próxima jornada na copa do café, em diálogo com os pratos sujos que sobraram do almoço.
Não, ela hoje não viria, habitualmente, como não veio nos 4 meses precedentes.
Hoje não haveria aquele jogo de xadrez composto de olhares cruzados. Ficou a saber que o sacrifício do seu bispo não conseguiu mais do que um xeque previsível à rainha. Outro peão tombou, mas aquele seria o último. Há jogos assim, que se jogam pelo prazer de jogar e não pelo resultado em si.
Lembrava-se de um desenho que fizera nas costas de um guardanapo, enquanto apreciava pelo canto do olho a perfeição daquela mão a poucos centímetros da sua. Os seus dedos eram compridos terminando numa unha bem cuidada, a sua pele era branca e muito lisa, desprovida daquelas rugas que circundam as articulações, inspirando-o a desenhar com meia dúzia de traços um paredão junto ao mar.
Porque o fazia? Talvez por desejar que a sua mão transpusesse esses poucos centímetros que a separavam dele, que a segurasse com força, uma força que não fosse fingida, e a conduzisse sem hesitação ou dúvida, a essa folha de papel. Demonstrar-lhe-ia que bastava essa convicção para anular o conceito papel, a palavra desenho, por sua mão ela sentiria não esse papel mas a areia da praia escorrendo pelos dedos, sentiria a sua pele arrepiar na água e contrair-se na rugosidade das pedras.
Como sempre fazia tirou esse papel desenhado do bolso, alisando-o à sua frente depois de desviar a chávena de café. Como sempre fazia o seu dedo deslizou ao de leve sobre a sua superfície.
Como sempre acontecia não foi o mar que sentiu mas sim a superfície áspera do papel e sob ele a lisura do granito.
Como sempre houve, há essa distância entre sonho e realidade, presente numa folha de papel.