Monday, February 21, 2011

despair in the departure lounge

Vou àquele espaço demasiadas vezes
tantas que parece que fico mais pequeno a cada vez que entro
será pelo tecto alto ou pela mesa de madeira à nossa frente
ou pelo facto de simplesmente não me deixarem fumar alí
o certo é que a cada passo o meu coração acelera e a minha visão se turva...
Apontas para a cadeira que está em frente de ti, não me dás hipótese de escolher (por acaso não foi sempre assim entre nós?), acolho-a porque na verdade também me restam muito poucas forças para me manter em pé e peço um café bem quente ao empregado soturno que me aguarda para além do balcão
das primeiras vezes, ainda olhava para ti de frente desafiante
pedindo do alto da minha vulnerabilidade para que por fim me perguntasses porque é que contigo agia de forma diferente
talvez por saberes que o esperavas nunca fizeste essa pergunta
e deixaste que lentamente o meu olhar descesse sobre a mesa para se deter em miradas longas sobre a brilhante colher que repousava na minha chávena já vazia
nessa altura suspirava
desejava até que tudo fosse diferente
que tivesse em mim a força para dizer não e romper o ciclo
mas nada acontecia nos intervalos de silêncio que ocupavam a maior parte do nosso tempo
nem eu me decidia a partir
nem tu me deixavas ficar
pendia do tecto como uma daquelas teias de aranha agitada pelo vento
às vezes trazia uma caneta e um papel comigo, ficava a rabiscar coisas no canto da folha, deixando sempre o mesmo espaço em branco como se nele quisesse escrever
uma vez tocaste na folha com o teu dedo, deslizaste a tua pele sobre as linhas como se a minha mensagem estivesse gravada em Braille e só assim a pudesses decifrar
se entendeste a mensagem, nunca o soube
sorriste, mas afinal, sorrias muitas vezes, mas isso nunca nos aproximou...
outras vezes virava a cabeça para a janela e fazia de conta que não estavas
ficava a entrever a paisagem entre as pessoas que passavam ou que paravam por ali
mas a mensagem que passava era sempre que se não fosses tu, sentada do outro lado da mesa, aquilo não fazia o menor sentido
e não fazendo sentido podia desaparecer de repente, deixando-me a mim pendurado, entre duas terras distantes, sem possibilidade ou bilhete de regresso a qualquer uma delas
não era inevitável e ambos o sabíamos
mas era preferível
como uma sub-estação de metro onde aguardávamos uma composição para melhor sítio
eventualmente uma intersecção entre duas linhas marcadas a cores diferentes no mapa
se me toleravas no mesmo banco é porque sabias que não me restava dinheiro para o bilhete de ida... e já há muito tinha abandonado a esperança de voltar para minha casa
enquanto a voz roufenha não se fazia anunciar no altavoz, ficávamos por ali a brincar ao que poderia ter sido se fosse ou ao como seria se acontecesse
nos piores dias chovia
atrasavas-te sempre nesses dias e por curioso que te possa parecer, o sentimento que se apoderava de mim era uma terrível solidão
ficava sempre na mesma mesa a um canto, encostado ao vidro, sentindo as gotas a bater contra o vidro e o frio a tomar conta de mim
chegavas sempre no momento limite, naquela nesga de tempo em que me deixava convencer que já tinhas partido e que as minhas tardes naquele café seriam sempre solitárias
mas afinal aparecias, em frente ao meu sorriso atónito e o meu aperto de mãos
ficava sempre sem jeito
enganava-me no pedido, nos trocos, na empregada que me devia atender
ficava até ao fim com a certeza que queria ter feito muito mais do que o que fiz
com a certeza que valia muito mais do que o que mostrei
mas o dia já tinha passado e amanhã... bem... amanhã... poderia tão bem ser um dia de sol como outro dia de chuva
o inevitável era apenas um lugar vazio para mim, outro para ti, e a minha vontade em estar noutro sítio...

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