Tuesday, February 15, 2011

ascend to oblivion

Afinal, de onde te vem o ódio...
Perguntou ela, de cigarro na mão
... das tuas memórias, ou desse lugar profundo que sabes esconder em ti?

não precisava de resposta pois não?
era como um evento desgarrado na linha da vida
uma pequena arritmia maligna a precisar de digitálicos
ainda debatemos a cura durante os dias, ainda enumeramos as inúmeras acções que tomamos para inverter o curso certo que nos conduziria alí, não havia afinal nada a fazer, o nosso local era aquele e não outro e encontraríamos sempre por ali aquilo de que fugiamos o resto do tempo
ainda há tempo, há sempre tempo por aqui, mas como areia numa ampulheta, arranja sempre espaço para escapar entre as frestas que abrimos entre nós
serão as memórias que as unem, como cicatrizes feias de combate
como medalhas de uma guerra que sabemos perdida e que levou com ela os melhores anos da nossa vida
são as memórias que fazem destes dias um tapete contínuo, incapaz de permitir a passagem do tempo para o esquecimento, fermentando na sua essência o ódio que me permite aguentar
aguentar que o tempo se detenha
como um pôr-do-sol em Havana ou em Paris
os lugares comuns sempre fizeram de nós fracos, mas ainda assim sempre cedemos às nossas vontades como se a nossa vida fosse apenas uma mentira, e todos os testemunhas dela um simples cenário de uma peça de teatro trágico-cómico
como nos poderíamos rir do que passamos, se não tivesse acontecido connosco
poderíamos rir até rebolar no chão, e ainda assim seria preferível a esta inevitabilidade de perguntas, que crescem no ar como o fumo do cigarro
somos duas pessoas sentadas, diante uma da outra, em cadeiras de madeira, sobre um tapete negro, escutando o relógio bater, procurando a alquimia certa de palavras que nos traga paz
porque indubitavelmente sei, nos interstícios da minha loucura, que por muito que fujas não te vais conseguir esconder
ainda é uma gaiola dourada o que te cerca, apenas aprendeste ao longo do tempo a adorar as barras que antes temias
e poderás dizer, porque não anda longe da verdade, que fui eu que te ensinei a adorá-las
por isso não me perguntes porque é que odeio
porque é que a superfície do meu lago é negra e todas as noites sonho em submergir-te nela para com isso te matar
já conheci toda a forma de vítimas e com cada uma delas aprendi apenas a morrer mais um bocadinho
porque é que odeio?
Será essa mesma a pergunta certa?
Porque estou cheio de mim, como uma barragem transborda
só quero apagar as margens e fazer parte do rio
odiar é um conforto por estes dias, como um instinto de sobrevivência primordial que se activa para nos manter vivos
não à esperança
a minha vida vai terminar como começou
comigo agarrado à letra L.

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