Blue Train
Ao final do dia somos todos sombras projectadas contra o chão.
Sobre nós, como sempre, o brilho amarelo dos postes de iluminação e à nossa frente, o contínuo pavimento de cimento, onde vamos delineando, em tons de cinzento, a luta do dia.
Estava deitado naquela cama à quanto tempo?
Antes havia um tempo, um tempo para estar deitado, outro para acordar, tomar o pequeno-almoço e levar os filhos à escola, haveria outro tempo para almoçar, outro para lanchar e outro para jantar, havia, no final, um tempo em linha recta, que lhe dizia, em marcas sucessivas, que um dia sucedia ao outro, e aquele que deixava para trás era a véspera de um novo dia.
Agora não havia tempo, só havia um quarto de hospital, e um sono sem sonhos, umas vezes por cansaço a maior parte por drogas, e nada que lhe dissesse "é isto que tu tens para fazer".
Tinham tentado tirar àquele branco imaculado a sua identidade asséptica, aqui e ali, até onde o pescoço deixava rodar, estavam espalhadas fotos de alguém que se assemelhava a si, o calor desbotava as cores e tornava o papel macilento, uma delas tinha caído, colava-se ao chão, quando a recolocaram só restava na sua frente impressa um borrão avermelhado onde dificilmente se distinguiria alguma coisa.
Por vezes tinha visitas. Pessoas da sua vida que o olhavam com piedade mais do que com ternura. Nada mais conseguiam do que renovar a sua vontade em partir. Outras vezes eram os médicos, ou os enfermeiros, ou isto ou aquilo, toda uma panóplia de gente que parecia extremamente ocupada. Assemelhavam-se a maestros de orquestra, limitavam-se a regular o ritmo e a cadência de tudo o que o agarrava cá, se a sua boca emitisse algum som, dir-lhes-ia para parar. Ele estava cansado.
Daquela vez (porque seria?) estava irritado, os dias não eram dias, nem as noites eram noites, e ele não sabia onde estava... mandou à merda um daqueles palhaços enluvados que se afadigavam à volta dele. Pouco tempo depois morreu.
Ainda foi a tempo de descer, passando no bar, para ver o palhaço, já sem luvas, a bebericar café e a comentar entre sorrisos o que ele lhe tinha dito.
E foi por isto que passou aqui.
Outro palhaço, abriu a janela em frente ao seu corpo frio. Dizia que a sua alma tinha de sair por algum lado para regressar até aqueles que o amaram. Todos se riram, e porque não? As máquinas emitiam ruídos surdos e agitavam-se, algumas pediam sangue, outras ar, todas davam vida, mas nenhuma delas sabia como dar paz a ninguém.
Sobre nós, como sempre, o brilho amarelo dos postes de iluminação e à nossa frente, o contínuo pavimento de cimento, onde vamos delineando, em tons de cinzento, a luta do dia.
Estava deitado naquela cama à quanto tempo?
Antes havia um tempo, um tempo para estar deitado, outro para acordar, tomar o pequeno-almoço e levar os filhos à escola, haveria outro tempo para almoçar, outro para lanchar e outro para jantar, havia, no final, um tempo em linha recta, que lhe dizia, em marcas sucessivas, que um dia sucedia ao outro, e aquele que deixava para trás era a véspera de um novo dia.
Agora não havia tempo, só havia um quarto de hospital, e um sono sem sonhos, umas vezes por cansaço a maior parte por drogas, e nada que lhe dissesse "é isto que tu tens para fazer".
Tinham tentado tirar àquele branco imaculado a sua identidade asséptica, aqui e ali, até onde o pescoço deixava rodar, estavam espalhadas fotos de alguém que se assemelhava a si, o calor desbotava as cores e tornava o papel macilento, uma delas tinha caído, colava-se ao chão, quando a recolocaram só restava na sua frente impressa um borrão avermelhado onde dificilmente se distinguiria alguma coisa.
Por vezes tinha visitas. Pessoas da sua vida que o olhavam com piedade mais do que com ternura. Nada mais conseguiam do que renovar a sua vontade em partir. Outras vezes eram os médicos, ou os enfermeiros, ou isto ou aquilo, toda uma panóplia de gente que parecia extremamente ocupada. Assemelhavam-se a maestros de orquestra, limitavam-se a regular o ritmo e a cadência de tudo o que o agarrava cá, se a sua boca emitisse algum som, dir-lhes-ia para parar. Ele estava cansado.
Daquela vez (porque seria?) estava irritado, os dias não eram dias, nem as noites eram noites, e ele não sabia onde estava... mandou à merda um daqueles palhaços enluvados que se afadigavam à volta dele. Pouco tempo depois morreu.
Ainda foi a tempo de descer, passando no bar, para ver o palhaço, já sem luvas, a bebericar café e a comentar entre sorrisos o que ele lhe tinha dito.
E foi por isto que passou aqui.
Outro palhaço, abriu a janela em frente ao seu corpo frio. Dizia que a sua alma tinha de sair por algum lado para regressar até aqueles que o amaram. Todos se riram, e porque não? As máquinas emitiam ruídos surdos e agitavam-se, algumas pediam sangue, outras ar, todas davam vida, mas nenhuma delas sabia como dar paz a ninguém.