Monday, July 17, 2006

Pedra de Toque


Foi no príncipio de 2004, logo após ter regressado da minha experiência internacional, quis o destino que no último estágio do meu terceiro ano para além de aturar um grande cromo como orientador me cruzasse com uma colega açoriana que me deu uma importante lição de vida...
Recuando um pouco, os melhores tempos da minha vida passei-os em Bruxelas, em que o pouco que tinha para fazer em termos profissionais fiz de uma forma brilhante, e o resto aproveitei para experienciar a vida de uma maneira tão intensa, tão livre e descomprometida, que a minha melhor imagem ficou ali, naqueles fabulosos 3 meses.
Regressado a Portugal tive de me adaptar de novo a um paradigma errado da profissão, apoiado num palhaço, que por muito que perceba de Fisioterapia, nunca vai ser um grande Fisioterapeuta... creio que o meu último estágio se salvou pelas palavras que essa minha colega, e futura amiga me dirigiu certo dia...
Um dos aspectos mais negativos que um profissional de saúde enfrenta é a constante imersão nesse ambiente deprimente e negativo que habitualmente se associa à doença, ou à reabilitação prolongada... no fim, dizia essa amiga, um pouco desse lado negativo fica em nós, é parte do processo terapêutico, por isso precisamos de um modo de dissipar esse lado negativo, ou então podemos ficar mal... de seguida mostrou-me aquilo que guardava no bolso, uma pedra negra e gasta pela erosão até ficar com uma forma oval e uma superficie lisa e suave, tinha-lhe sido dada por uma pessoa muito importante para ela, costumava acariciar essa pedra após fazer uma massagem a algum doente, segundo ela para dissipar a impressão negativa que tinha ficado ... Lembro-me que na altura pensei que tinha imensa razão, e que tinha de arranjar essa pedra de toque para mim, para dissipar todas aquelas coisas negativas que acabava por absorver na minha prática, com aquela imensa vontade que tinha em fazer bem às pessoas.
Tive a sorte de pouco tempo depois ter encontrado essa pedra de toque numa pessoa fantástica, que tive o prazer de conhecer e de amar como não tinha amado ninguém até então, para além disso tive o privilégio de ser correspondido por alguém que mais do que me compreender, intuia e descobria em mim coisas que eu dificilmente pronunciaria. E todas as coisas negativas que em mim persistiam após os meus tratamentos, eram desvanecidos pela sua presença ou memória, sentia-me completo assim, e sei que ela me tornou um melhor profissional e sobretudo uma melhor pessoa.
Mais tarde ainda, troquei a minha vocação e paixão profissional pela ilusão que me dava o dinheiro fácil e uma situação confortável que pensava encontrar numa solução que aparecia para a angústia que começava a instalar-se por não arranjar emprego perto dessa pessoa que tanto significava para mim.
Para abreviar o processo posso dizer que aquilo a que dei mais valor em termos profissionais, o meu toque educado à força da experiência e do trabalho árduo, foi desaparecendo, e as minhas mãos outrora suaves e extremamente selectivas passaram a apresentar calosidades e imperfeições próprias de quem vive para um trabalho que nada significa.
Não me interpretem mal, calejadas são as mãos de quem trabalha no campo e não é por isso que deixam de ser dignas, assim como digno é o trabalho que representam. Dignas são as mãos que produzem e curam, que com o seu uso podem fazer alguma coisa de útil, abençoado o suor que escorre pela cara de quem chega ao fim do dia e pode dizer que o dinheiro que agarra é fruto desse suor, paga digna de quem faz alguma coisa... Agora as minhas não passavam de ser mãos calejadas de vergonha, mãos calejadas por um trabalho infame que nada produz, nada faz pelo seu semelhante. E o suor que me ficava no final desse dia de trabalho, nada mais era do que um insulto a quem trabalha, a quem nada faz de concreto, de real e de palpável. Não era certamente por isso que tinha educado estas mãos.
Hoje em dia o trabalho esfumou-se porque descobri que embora possa ser um bom fisioterapeuta, não serei de certeza um bom comercial. Não me arrependo no entanto da opção que tomei, primeiro pela experiência acumulada que me fez evoluir como pessoa, segundo porque não me arrependo dos motivos que me levaram a aceitar este trabalho (pelas mentiras que me contaram, e pela ansiedade que me produzia pensar que teria de sair do Porto para ter trabalho afastando-me das pessoas que amava) e terceiro e último porque saio de consciência tranquila por saber que nao me vendi a mim ou a minha consciência pelo dinheiro que me pagavam.
Duvido que possa voltar a ser o fisioterapeuta que fui, porque temps edat rerum, e muito se perdeu de mim nos dias em que persistia na minha ideia pulsátil de responsabilidade e empenho pessoal que sempre coloquei naquilo que fiz na minha vida. Aquele trabalho desgastou-me por demais como uma chama colocada sob mim e que lentamente ia degradando o que um dia fui enquanto pessoa ou profissional.
Apenas digo que preciso de uma nova pedra de toque para dissipar todas as coisas negativas que espero encontrar e apropriar como minhas (parte do processo curativo), acredito no entanto que não a encontrarei de novo numa pessoa como encontrei no passado.
Por isso pergunto, haverá alguma pedra por aí que me possam oferecer?
Não precisa de ser bonita ou ser polida por séculos de uso ou pelos elementos, apenas basta ser uma pedra com muito espaço para acumular coisas más :)

Como nota mais pessoal: escrevi uns dias atrás que o conforto de situações prevísiveis pode anular a nossa perseguição pessoal por ser felizes, como aconteceu com o meu trabalho (entre outras coisas). Quero acreditar que a minha boa estrela continua a sua acção incessante por me fazer ver e aprender coisas que de outra maneira não aprenderia (há lições que se aprendem a bater de frente na parede não é assim?) mas por outro lado desacredito constantemente que o meu próximo passo será em direcção a algo mais positivo. Talvez continue demasiado descrente e despreocupado em tentar ser feliz, ou então o meu passado e as culpas próprias continuam a assombrar-me por demais (a história já repetida de me desfazer a cada passo...), por isso mais uma vez pergunto, há alguma pedra que me desculpe, que acredite, e que me prometa um futuro melhor?

...e não me falem em pessoas, porque eu não vou acreditar :)...

1 Crossroads:

Blogger astolfo said...

Não se oferece dizer nada que ja não saibas. Para quem acompanhou o processo, sabe q tomaste a opção certa para o momento, q tiraste da experiencia mt de positivo, mas tb q a falta dessa essência do profissionalismo enqt ft, q infelizmente n usufruías, e q tu mais do ng parecias perseguir durante o curso, te estava a consumir aos poucos, sendo este desfecho algo q vi com bons olhos, apesar de tudo p resto.
Agora n vivas desse passado q tolhe, constrói o futuro a partir dessa nova pedra, a primeira de uma casa q tenho a certeza q vai sair sólida e renovada, de acordo com o q tu és e mereces.
Eu estou cá para ajudar no q for preciso.

um abxo

10:27 PM  

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