seringa agulha limão
Nós os dois éramos só patéticos, naquele abraço de náufragos, procurando um pedaço de céu para respirar, caídos nos braços um do outro, tendo entre nós um pedaço de terra segura, mas nenhuma vontade em nos soltar.
Seriam 4h da tarde, e pontualmente traziam-te pela mão, como se tivessem medo que te perdesses num daqueles corredores escuros. Atiravam-te para os meus braços sujos, embrulhado num lençol, ficavas a fantasiar comigo, com a tua cabeça atirada contra o meu peito, enquanto eu te procurava no braço uma veia impoluta por onde te injectar.
Preparava-te a dose sem grande alarido, num silêncio conforme de quem já não tinha nada a contar, entredentes ainda tecíamos alguns comentários sobre a última gaja que tínhamos comigo, ou suspeitávamos comer, mas aquilo tudo era apenas um intervalo até à próxima dose.
Podíamos sugerir que não nos víamos, naquele restaurante chique à beira mar... estavas sentado a apenas duas mesas, e por fortuna, o empregado consciencioso tinha-te puxado a cadeira que ficava mesmo em frente de mim. Sentavas-te e com o indicador ajeitavas os óculos que teimosamente insistiam em pender para a ponta do teu nariz, e à tua frente sentava-se quem? Mais uma rapariga, objecto dos teus desejos, loira como não poderia deixar de ser, e que enjoadamente, ia erguendo o copo de vinho branco sugerindo-te por entre sorrisos que preferia estar noutro lado qualquer.
Mas por que diabo eu me fixava em ti? Será porque ainda encontrava alguma coisa que invejar, ou simplesmente, apenas te desejava sorte através do meu olhar glacial, tão frio quanto o vento que soprava lá fora? Ou então mandava à merda todos aqueles momentos e divertia-me a imaginar-te nos meus braços enquanto te erguia de encontro à cruz de madeira impregnada com toda a tua culpa.
Estávamos ambos destinados a perder, mas fazia-mo-lo com estilo e redenção, apregoando a quem nos via que ambos tínhamos ganho nalgum momento das nossas vidas. Serias tu ou seria eu a empurrar-me de encontro à pia, assustando velhas piedosas e profundamente hipócritas, que nos aspergiam com a sua água benta parcimoniosa, deixando em nós um leve cheiro a esgoto e flores mortas.
Seria tudo isso ou não seria nada, seria eu a segurar-te num abraço fraterno, enquanto cuspia para trás de ti uma contagem decrescente da qual não fazias parte. Eu sou a prazo, eu sou a prazo, sou um produto perene destinado a desaparecer, e tu ali, com a faca a pender sobre o teu coração e a prometer-te morte, bendita ignorância que faz os teus dias longos e as noites leves, será que ainda sonhas que a vais ter por entre os teus braços, a caminho de Aveiro, a caminho de um porto onde o teu destino está marcado, a caminho de uma cabine que só tem espaço para um.
Vamos enganando o tempo, e porque não, vamos alterando os dias, como quem altera aquilo que vai comer ao jantar. As decisões estão tomadas mas não há nada que impeça que nos abracemos aquela tarde, vamos fumar o ópio e rir de quem passeia, vamos lamber as nossas feridas infectadas e prometer que nunca iremos cair de onde estamos.
E chegada a hora vamos regressar ao ponto de onde partimos, para ver o sol decair no horizonte e partir, deixando atrás de si menos um dia sem saber se chegaremos a ver um novo ocaso.
E o nosso destino está entrelaçado, um pouco como os nossos braços, um pouco como o nosso peito, vamos desaparecer num número, ou numa vertigem, vamos desaparecer porque vivemos. E o que de nós ficar será lançado ao mar, ou incendiado de madrugada antes que alguém desperte do seu sono, não iremos perturbar ninguém dos que aqui ficam, sobretudo aqueles que sentados, em frente ao mar, destilam uma certeza tranquila de que o mundo corre nos seus eixos e engrenagens, e que todas as peças encaixam onde deveriam encaixar para te ter ali, atrás de uma mesa de madeira, entrelaçada numa aliança de platina, regada a vinho verde, e preparada para tomar o lugar que é teu, do outro lado da cama, pelo menos até ao momento em que o despertador dê o sinal e outro dia comece, mais um dia para uns, e para nós, abraçados aqui, menos um dia que resta para a nossa derrota final.
Seriam 4h da tarde, e pontualmente traziam-te pela mão, como se tivessem medo que te perdesses num daqueles corredores escuros. Atiravam-te para os meus braços sujos, embrulhado num lençol, ficavas a fantasiar comigo, com a tua cabeça atirada contra o meu peito, enquanto eu te procurava no braço uma veia impoluta por onde te injectar.
Preparava-te a dose sem grande alarido, num silêncio conforme de quem já não tinha nada a contar, entredentes ainda tecíamos alguns comentários sobre a última gaja que tínhamos comigo, ou suspeitávamos comer, mas aquilo tudo era apenas um intervalo até à próxima dose.
Podíamos sugerir que não nos víamos, naquele restaurante chique à beira mar... estavas sentado a apenas duas mesas, e por fortuna, o empregado consciencioso tinha-te puxado a cadeira que ficava mesmo em frente de mim. Sentavas-te e com o indicador ajeitavas os óculos que teimosamente insistiam em pender para a ponta do teu nariz, e à tua frente sentava-se quem? Mais uma rapariga, objecto dos teus desejos, loira como não poderia deixar de ser, e que enjoadamente, ia erguendo o copo de vinho branco sugerindo-te por entre sorrisos que preferia estar noutro lado qualquer.
Mas por que diabo eu me fixava em ti? Será porque ainda encontrava alguma coisa que invejar, ou simplesmente, apenas te desejava sorte através do meu olhar glacial, tão frio quanto o vento que soprava lá fora? Ou então mandava à merda todos aqueles momentos e divertia-me a imaginar-te nos meus braços enquanto te erguia de encontro à cruz de madeira impregnada com toda a tua culpa.
Estávamos ambos destinados a perder, mas fazia-mo-lo com estilo e redenção, apregoando a quem nos via que ambos tínhamos ganho nalgum momento das nossas vidas. Serias tu ou seria eu a empurrar-me de encontro à pia, assustando velhas piedosas e profundamente hipócritas, que nos aspergiam com a sua água benta parcimoniosa, deixando em nós um leve cheiro a esgoto e flores mortas.
Seria tudo isso ou não seria nada, seria eu a segurar-te num abraço fraterno, enquanto cuspia para trás de ti uma contagem decrescente da qual não fazias parte. Eu sou a prazo, eu sou a prazo, sou um produto perene destinado a desaparecer, e tu ali, com a faca a pender sobre o teu coração e a prometer-te morte, bendita ignorância que faz os teus dias longos e as noites leves, será que ainda sonhas que a vais ter por entre os teus braços, a caminho de Aveiro, a caminho de um porto onde o teu destino está marcado, a caminho de uma cabine que só tem espaço para um.
Vamos enganando o tempo, e porque não, vamos alterando os dias, como quem altera aquilo que vai comer ao jantar. As decisões estão tomadas mas não há nada que impeça que nos abracemos aquela tarde, vamos fumar o ópio e rir de quem passeia, vamos lamber as nossas feridas infectadas e prometer que nunca iremos cair de onde estamos.
E chegada a hora vamos regressar ao ponto de onde partimos, para ver o sol decair no horizonte e partir, deixando atrás de si menos um dia sem saber se chegaremos a ver um novo ocaso.
E o nosso destino está entrelaçado, um pouco como os nossos braços, um pouco como o nosso peito, vamos desaparecer num número, ou numa vertigem, vamos desaparecer porque vivemos. E o que de nós ficar será lançado ao mar, ou incendiado de madrugada antes que alguém desperte do seu sono, não iremos perturbar ninguém dos que aqui ficam, sobretudo aqueles que sentados, em frente ao mar, destilam uma certeza tranquila de que o mundo corre nos seus eixos e engrenagens, e que todas as peças encaixam onde deveriam encaixar para te ter ali, atrás de uma mesa de madeira, entrelaçada numa aliança de platina, regada a vinho verde, e preparada para tomar o lugar que é teu, do outro lado da cama, pelo menos até ao momento em que o despertador dê o sinal e outro dia comece, mais um dia para uns, e para nós, abraçados aqui, menos um dia que resta para a nossa derrota final.