Tuesday, January 23, 2007

Intermitência(s)

Mergulho da janela que há em mim, cada vez mais estreita, cada vez mais estreita...
O nevoeiro ampara a minha queda, como um colchão de penas demasiado fofo, todas as suas particulas são perceptíveis para mim, cada gota de água, cada subtil variação de densidade, cada temperatura, como um presente que se abre para mim esta noite.
Estou nú e deixo que a sua humidade leitosa me envolva como um manto, o nevoeiro abraça-me como um irmão que nunca tive, o nevoeiro acolhe-me como que abrindo um lençol que me esconde dos olhos do mundo.
Cada farrapo do seu ser se agita ao favor do vento, rodopia em redor da iluminação amarelada que nunca se apaga nesta rua, nesta cidade sempre igual. Faz frio agora, tanto frio, e no entanto entre cada vértebra e costela, entre cada ligamento e tendão, sob a minha pele fria, o nevoeiro condensa e rodopia... branco, todo o meu interior é branco, e o seu abraço é frio, mas seguro, tanto que me dou ao luxo de sonhar.
Não faço o esforço de acordar para uma realidade que não quero, para este absurdo que segura em pontas opostas acção e consequência, a humidade colou as minhas pálpebras e não sei porquê mas sinto-me seguro aqui. Levito por entre o nevoeiro, suspenso no seu hálito branco e frio...
Ninguém me vê, ninguém sabe que estou aqui, mesmo que a um metro, mesmo que a menos distância de ti, estou por entre os braços dos dias, no abraço do tempo, a humidade dos dias que sabe a tabaco e a hálitos e a suor, estou entre água, tão invisível como um copo cheio mesmo antes de transbordar.
A janela era tão estreita para o outro lado do espelho, fui para lá, com o nevoeiro dos dias, que me dá o abraço possivel. O espanto ficou do outro lado, do outro mundo possível e mesmo assim absurdo, e mesmo assim estranho para mim... são quartos e espaços quadrados, como as pessoas que neles habitam, que fazem do quadrilátero quatro arestas de prazer, para este lado o sexo, para o outro o prazer, no oposto a tensão vital e o sucesso fecha o mundo em meu redor, são coisas que se têm, que se sentem com os 5 sentidos, que se agarram às mãos cheias... entre os meus dedos todo um mundo de água condensada por onde se esvaem as coisas como trocos miúdos, e o melhor prisma para o perceber, não é o 5º mas sim o 6º sentido...
Se temos 2 olhos, porque não acreditar que um deles sirva para ver as coisas como elas são, e o outro sirva para ver as coisas como as sonhamos?
Sou, por fim, o nevoeiro, sou, espalhado, nas 5 colinas do Porto, sou um desabafo que o Douro conta à cidade, dos tempos em que corria por entre vinhedos, sou o sabor do xisto e do granito, sou todo o mundo, unido pela água.
Porque tenho a certeza que nada me pertence?
Porque guardo em mim a água que me há-de unir?

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