Wednesday, November 29, 2006

Fraternité

Eu não sei ser fraterno.

Há quem só queira um trabalho por um vencimento justo, há quem só queira ter um pão que mate a fome aos seus filhos, há quem só queira viver sem medo de sair à rua, há quem só queira rezar sem ouvir a multidão lá fora, há quem queira viver sem que olhem para a cor da sua pele, a sua opção sexual, ou o seu sexo.
Não falo de um outro continente afastado da nossa opulência ocidental. Não falo da fome no quénia ou dos massacres no darfur. Nem sequer falo do médio oriente, ou da sua justiça sectária. Falo do que está aqui ao lado, do que vês de cada vez que te assomas à janela, do que sentes nos rostos fechados que viajam contigo no metro.
É simplesmente um dia banal, cristalizado, das pessoas que saem para a rua ainda o sol não despontou, e demoram hora e meia porque há quem só tenha dinheiro para passes sociais e há quem envelheça ao som do auto-rádio, guiado pelo GPS, no ambiente estático do ar condicionado, no seu carro vazio. É simplesmente mais um dia de 12 horas de trabalho, voltando a casa já a lua vai alta e ele nem viu o sol, ao seu subúrbio-dormitório, ao seu jantar parco e requentado, mesmo a tempo de ver os filhos deitados. Eles são pais de fim-de-semana, e as crianças crescem em piloto automático em armazéns que parecem escolas.
Já não sei falar de dar, parece que acordamos ao som de explosões porque ao som das balas já nos habituamos. Nos intervalos do jantar, é um atentado que mastigamos com um bocado de pão, ou uma cruz suástica que engolimos com uma colher de sopa. Já não vivemos, apenas navegamos autistas, e se reclamamos por coisas que estão longe, tão longe que nem a nossa indiferença lá pode chegar, esquecemos que o mal está aqui.
Dar conjuga mal com o verbo ter.
E os pacotes de arroz que enviamos para os pobres e indigentes de todo o mundo, têm por cada grão o seu equivalente de superioridade.
Eles todos têm fome! Mas não é essa fome que se mata com os excedentes da nossa agricultura subsidiada! Nós todos temos fome! Quem é que nos mata a fome por justiça?
É que por muito que se tente, a realidade em nairobi, lisboa, new york e paris, ancara, jerusalém e kerbala é a mesma realidade distorcida.
E se queremos ser fraternos com quem sofre, do alto do nosso orgulho capitalista é tão só uma forma de dizer que estão longe, a milhas daqui. Empurramos os problemas com ajudas, ignoramos quem nos grita à porta e assomamos á janela para ver o que se passa em África.
Sonhei com um homem que olha para o seu terreno por cultivar, sentado numa cadeira de rodas, ambas as pernas foram esmagadas por um contentor de cobertores lançados por um avião da ONU, vai depois para a bicha para ter um prato de arroz aguado e uma fatia de pão, acaba de comer e sente uma fome... uma fome que não tem comida que a sacie... desenterra a sua arma de uma guerra civil passada e dispara sobre um missionário espanhol, é morto 2 dias depois por um marine norte-americano.

Eu não sei ser fraterno.
Wake me up!!!

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